terça-feira, 2 de setembro de 2014

ESTIAGEM



A palavra seca
Não quer dizer
O poema
Esturricou
Não vem baião
Nem xote
Nem xaxado
Nem perdido (diria Walter Franco)
Saliva seca
No palato
Do vivido
Sem água
Sem mágoa
Terra em calo
Tela em branco
Seguro o canto
 E espero a chuva
Cair de novo
No novo
Pra ver se nasce
Uma canção...
(Edson Leão)*
Texto postado no face na madrugada de 2 de setembro e 2014, como resultado de uma insônia e musicado por Mário Tarcitano na manhã do mesmo após ler a postagem.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

FRAGMENTO DE ANTIGO MANUSCRITO ALQUIMICO

Lua
Depois da chuva
Na neblina
Entre árvores
Da alta madrugada...
Corpo de mulher
Quando o perfume
Deixa pressentir a alma...
Mistérios do feminino
Alquimia para iniciados...
(Edson Leão)

AVISO!

Era pra ter um aviso na porta
“Cuidado! Humano!"
Mas ninguém saberia de verdade
O que isso representa de risco...
(Edson Leão)

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO

(A PERPLEXIDADE)
Não pense que é só com você de novo
Os outros também estão na mesma
Aprendendo as novas regras do jogo
Com apressados passos de lesma
(Edson Leão)

VELOCIDADE

Como um “pega” de automóvel no crânio
Os pensa-sentimentos se lançam
Indiferentes aos riscos do abismo
(Edson Leão)

POESIA SACRA DISTÓPICA

Num mundo devastado
E superpovoado
Os santuários que restaram
São
O aqui
E o agora...
(Edson Leão)

TRIÂNGULO DAS BERMUDAS

Navios desaparecidos
Moedas perdidas
Celulares não devolvidos
Calorias reencontradas
Amores desencontrados
Num mundo sem mapas
Nem manual de instruções...
(Edson Leão)

INVOCAÇÃO

Asfaltos e concretos
Luas de fumaça
Humanos de acrílico
Deixem a sola
Dos meus passos de índio
sentirem a alma da terra...
(Edson Leão)

IN(F)VERNO

Frio
Faço um pacto contigo
Deixe minha cabeça em paz
Que o corpo não reclamará tanto mais...
(Edson Leão)

NELSON GONÇALVES

Me ensinou
Que na música
Na vida
E nas dores de amor
É preciso ter alma de boxeador...*
(Edson Leão)
*Não há aqui nenhuma apologia à violência, é que o cara realmente foi pugilista.

JF NO INVERNO

A neblina empalidecendo a visão dos prédios
Um silêncio de quem pede socorro
E a mesma cidade
Com a velha dificuldade em acordar
E enxergar
O que pode haver além dos morros...
(Edson Leão)

INCONSEQUÊNCIA JUVENIL DE MEIA IDADE

queria ter uma banda
sem compromisso com nada
algo meio new wave
com um nome idiota
tipo “Cheque Cardápio”
ou “Cangurus de Gravata”
só pra fazer piada
com esse mundo larápio
que leva porrada
e não aprende nada

ou quem sabe uma banda punk
com estudada aparência junky
pra depois do último acorde
poder bancar o black bloc
quebrar banco, bagunçar festa ploc
tomar uma iniciativa privada
pra acabar com esse bode
e apertar a descarga
explodindo o muro
como se fosse Pink Floyd
(Edson Leão)

MARXISTA DE BERÇO*

Queria que quando eu nasci
Um anjo torto
Tivesse dito
“- Vai moleque
Ser Groucho na vida!”

(Edson Leão)

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

IBITI TOQUES (A INICIAÇÃO)


IBITI TOQUE1
(Iluminação)
pedra e água
olhar em espanto
sem plano
desinventando 
as grades do urbano

IBITI TOQUE 2
(Batismo)
O dia em que desinventei meus nomes
Nas miragens do lago
Decifrando o grafismo das pedras
E as sereias silentes
Que o céu, em segredo 
Na serra sonhou

IBITI TOQUE 3
(Peregrinação)
Descalço até o Pião
Desinventando o mundo 
Segundos depois da criação
A alma da terra é nuvem
Cobrindo vez ou outra
A vida das vidas
Que fumegam a construção de cidades
Na capela arrasada
Só o olho tem voz
E ele é silêncio
Em coro absoluto com o vento
Com o tempo que pra olhar
E com a paisagem

Fico em paz...

IBITI TOQUE 4
(Sagrado e Profano)
A alma encontra a carne
Amores e outros licores
Sob as cores e o delírio da serra
A benção das pedras
E das estrelas
Sacro-profano-aprendizado
Valendo à pena
Se a alma se acha plena
Depois curar a re-sacra
Com uma caminhada
Até a água gelada
Purificar
Nossa estada provisória sobre a terra...

IBITI TOQUES 5
(Superstição – Ou Não)
Nunca vi nada sobrenatural
Só umas luzes na beira-da-estrada
Riscos passando no céu
Pressentimento de coisas do outro mundo
Mãos se unindo como se pele fosse alma
Arrepio, intuição...
Ou seja
Nada sobrenatural
Tudo  sobretudo
Apenas natural
(Edson Leão)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

VELOCIDADE

Como um “pega” de automóvel no crânio
Os pensa-sentimentos se lançam
Indiferentes aos riscos do abismo

(Edson Leão)

GUERREIROS III (A ODISSÉIA)

Não sabia como explicar
Que ele e um bando de amigos
Topou com feiticeiras
Monstros
Ilhas
Naufrágios
Alguns viraram porcos...
Enfim...
Preferiu encher a cara
E chegar
Chutando a porta do castelo
Só que não encontrou mais Penélope
Que resolvera concluir o bordado...
Nascia assim mais um tango-canção
Gravado por Nelson Gonçalves
Em 45 rotações...

(Edson Leão)

GUERREIROS II (A Ilíada)

Era só por uma mulher
Mas tiveram que fazer uma guerra
Um cavalo de Tróia
E um livro 
Fosse Homero um cantor de blues
E quatro acordes bastariam
Quem sabe Lupiscinio e um samba canção?
Na dúvida, Mick Jagger faria um filho?...
(Edson Leão)

GUERREIROS

Todas as bobagens
Que possamos dizer
Sussurradas ao ouvido
Em tom seguro
Ensaiado
Ou romântico
Não abafam
O tambor no peito
Batucado
Por um menino assustado
Num atrapalhado
Corpo de adulto

(Edson Leão)

ANALISTA DE BAGÉ

Quando acabou a gasolina
Quando o fôlego se foi
Quando perdeu no jogo
Quando o sonho acabou sem Yoko
Quando os discos voadores partiram
Quando o aparelho de vinil pifou
Quando o time tomou de goleada
Quando não tem mais whisky na garrafa...
Disfarça e muda de assunto
Ou então, vá compor um blues!
Ninguém quer ouvir as mágoas de um cara
Que ainda não aprendeu
A acender a própria luz...

(Edson Leão)

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (A PERPLEXIDADE)

Não pense que é só com você
Os outros também estão na mesma
Aprendendo as novas regras do jogo
Com apressados passos de lesma

(Edson Leão)

VELOCIDADE

Como um “pega” de automóvel no crânio
Os pensa-sentimentos se lançam
Indiferentes aos riscos do abismo

(Edson Leão)

quinta-feira, 31 de julho de 2014

ANÚNCIO

Procura-se Quixotes
Pois de moinhos
O mundo está cheio!
Pré-requisitos:
Habilidade para desmontar idéias emperradas
E manusear ferramentas impalpáveis
Não é necessário experiência
Embora
Se você se interessou por nosso anúncio
Alguma você já deve ter
Ainda que não saiba...

(Edson Leão)

sexta-feira, 11 de julho de 2014

HOMERO, O BUROCRATA

Assinava documentos
Como quem escreve sonetos
Ao menos acreditava nisso
Do alto do escritório
Vendo pela janela
Entre um papel e outro
O sol desenhar a tarde
Como sua adiada poesia
Sonhava alguns segundos
Aquele sol
Visto da varanda
Da casa de praia comprada
No quando da aposentadoria
Um dia um deus sem assunto
Roubou-lhe a visão e a poesia.
Tempos depois
Como o trânsito na avenida
Lá embaixo
Que vez em quando observava
Entre a fumaça do café e o cigarro
O sangue lhe engasgou nas artérias
Ficou para história o poeta
Que nunca deu ao mundo uma poesia.
(Edson Leão)



ORFEU, O SERESTEIRO

Compunha marchas-rancho
Saudosas como cadeiras de palhinha
A velha vitrola
E os discos de Orlando Silva
Leitor ocultista
Compôs um samba-canção
Que acreditava
Ressuscitaria os amigos mortos
E aquela paixão de juventude
Mas o coração tropeçou
Numa rima da terceira estrofe
Momentos antes do refrão
Em tempo hábil para os herdeiros
Poderem aceitar a proposta
Oferecida pela construtora
Que em menos de um mês
Pôs no chão
As memórias
E os sonhos
Que habitavam seu velho sobrado...

(Edson Leão)

DEMIURGO, O ANDARILHO

Como andarilho
Aprendeu que a rota do mundo se alterava
Se ao acordar na calçada
Decidia caminhar para esse ou aquele ponto cardeal
Num descuido atirou uma binga de cigarro
Com a brasa ainda acesa no rio
Foi assim que veio a grande seca
E a onda de calor
Que os bispos chamaram apocalipse
Os jornais jamais saberiam
O peso
Que os furos de seus sapatos cabiam
Apenas sua família
Quando batia
Até ele querer fugir dessa vida
E dizia
“Esse menino parece que tem o diabo nas tripa”
O engraçado é que ele só sentia
Era a mesma velha barriga vazia...

(Edson Leão)

SÍSIFO, O SAMBA-CANÇÃO

Nunca carregava guarda-chuvas
Assim provocava inundações
E lá iam de novo sonhos
E escombros de sentimentos
Na enxurrada
Sambando
Ladeira abaixo...

(Edson Leão)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

MISTÉRIO

Estranho óleo
Cai nas engrenagens do mundo
A ele chamam noite
Escorre sobre prédios
Mancha os rostos 
As carnes
A sede
A fome
O desejo...
Unta
Besunta
Azeita
Até a lua se curva
E vem buscar as marés
Nossas entranhas virando lobos
Lobas
Labirintos
De hormônios
Sentimento
Sonho...
Chamam noite
A mordida a escorrer da polpa
Do misterioso negro fruto do cosmos
Essa criança sagrada
Pressentindo a luz
Que nos contorcemos tentando inventar
Buscando em outros olhos
A vaga emanação das estrelas...
(Edson Leão)

ASTROLOGIA

elemento ar
pode ser vento
desdobrar furacões
ou em silêncio
evaporar...
(Edson Leão)

TERRORISMO

Testamento: 
Entrego meu cérebro
sem dor
e ao molho tártaro
à a(tara)antada fome da ciência
contendo à contento
à torto e à esquerdo
um tanto de dor
e de divertimento
enfim, em secreto
tudo que celebro
coquetel molotov
de irracionalidade e poesia
dispositivo programado
à prova de pavlov
palmolive ou detergentes
elaborados para lavagens tenebrais
regado a azeite de oliva
por certo, nem tão livre
quanto em vida o queria
mas pronto a ser detonado
ao mínimo toque
no nervo da inspiração
ou de outra piração...
ou não...
tenho dito...
mas...
por hora...
vamos à vida então
e os doutores
que aguarderm
deve demorar a explosão...
(Edson Ferenzini - para poupar a rima em "ão")

quarta-feira, 21 de maio de 2014

A QUEDA

(O Videoclip)
I
Sou detrito de um tempo
Anjo-meteoro
Caído num beco
Ao acordar
O som de um rock new wave
Flutua de uma janela
A garota dança
Em frente ao espelho
Sua sombra se expande
E da parede, ganha a cidade
Adolescentes drogados
Batem minha carteira
Me admiro que tivesse uma
Me espanto
Que soubesse o que é uma
Minha primeira noite sobre a terra
Ouvindo Missing Persons
Em algum subúrbio do mundo
E já dancei na carteira
Podia ser super-herói
Treinado em artes-marciais
Mas tinha que ser um anjo tonto
Ou um ET apatetado
Caído de uma nave cambeta
Num clip da MTV
De alguma banda dos anos 80
A luz do poste deixa ver meu rosto
Distorcido numa poça do chão
Uso um cabelo idiota
Tenho cara de espanto
Não é sempre que acordo
Sem mesmo saber quem eu sou
Posso ser um espião russo
Ou personagem de uma canção do Bowie
Caminho cambaleando na paisagem
Minha sombra se expande no asfalto
Como quem quer se perder na cidade
Minha primeira noite sobre a terra
E não sei da missa a metade
Pergunto onde estou, para o homem do táxi
Ele me diz: “Onde vai experimentar a verdade”
Não dou a mínima
Bato a carteira de um cara
Corro e me escondo num bar
No som
O Clash grita “Shold I stay or shold I go”
E eu sei que não tenho opção
Pago um trago com o dinheiro roubado
Troco idéia com uma garota
Sem saber o que falo
Pouco importa
Ela ta mais doida que eu
Acordo no seu apartamento
Após varias doses, comprimidos, carreiras... sei lá
Olho o sol nascendo entre os prédios
Não sei o que faço aqui
Só sei que cheguei pra ficar
Ligo um som do Tom Waits
Fumo um cigarro
Sem saber pra que serve fumar
Acho que começo a gostar disso aqui
Sem saber o que é tudo isso afinal
Olho a garota dormindo
Olho as pessoas lá embaixo
Percebo que não sou o único
Começo a gostar do lugar...

II
...a garota acorda com rosto de droga
Me manda embora
Me oferece um café
Não é por nada
Mas não encara outro cara
Que não sabe quem é
De dançada em sua vida
Já basta ela mesma
Me leva até a porta
Deixa um beijo
E me indica o metrô
Bato os pés na rua cheia
O sol doendo o olho
Desço as escadas
No metrô
Compro
Parto pra qualquer lugar
O nome mais sonoro
Pessoas amontoadas
Parecem sem vida
Rio sozinho
Pensando
Que sou o único
De pé naquele vagão
Que sabe
Que não sabe quem é
Desço
Subo as escadas
O dia fere de novo
Uma praça
Pessoas vendendo
Pessoas comprando
Uma banca de jornais
Guerra das Malvinas
Discussões nucleares
Um ídolo pop e seus milhões
A URSS e o mal
Estudam uma nova doença
Nada que explique muita coisa
Nada que diga quem sou
Sigo pela rua
Cartazes nos cinemas
“A chilling, bold, mesmerizing , futuristic detetive thriller”
“His adventure on hearth”… “E.T. The Extra-terrestrial”
Imagens… palavras… pra quê?
Lembro de filmes
Quando alguém acorda em outro tempo
Ou dentro de um filme
Mas não é isso aqui
Isso é videoclip
Sei pela velocidade
Mas não sei como sei
Nem como lembro do que sei
E pra dizer a verdade não importa
Converso com outra garota
Ela pode me arrumar droga
Mas me vende um ingresso
Pro show de uma banda de rock
Estou na beira do palco
Uma banda de visual new romantic
Com um cantor que imita Adam Ant
Som alto
Me interessa achar uma bebida
Transo no beco ao lado do bar
Com a garota que tinha umas paradas
É madrugada
A lua parece o aviso do Batman
Sobre os prédios de Gotham City
Lembro Bauhaus num filme do Bowie
Será isso um jogo ou uma jaula?
A garota se despede de mim
Sem nome, telefone ou talvez
Aguardo os próximos frames
Passo na porta de um cinema fechado
Ignoro o mendigo entre jornais
Enquadram meu perfil
Enquanto vejo o cartaz de Tron
Seria um game esse videoclip?
Pouco importa
Entro de penetra
Uma festa high society de yuppies
Não sei como parei por aqui
Mas tem bebida
E pessoas que me fazem rir
Não por que sejam engraçadas
Mas por seu esforço
Em aparecer bem na fita
Quanto mais bebem
Mais parecem comédia
Caricaturas em roupas de grife
Realmente isso é um videoclip
Parece ambientado em 80
Mas pode ser de depois
Leitura da leitura das leituras de quem não estava lá
Não importa
O único a fazer é seguir
Brigo com o garçon
Penso que estou no Hair
Subo na mesa
Mas lembro que estou noutra década
O melhor é quebrar o lugar e fugir
Topo com Skin heads na calçada
O pau vai quebrar e estou ali
Um grupo de punks sai de um beco
Sem pensar, já sei que lado escolhi
Não tem coreografia
Isso não é Michael Jackson
A quebradeira é real
Já senti
Não importa
Não sei mesmo o que acontece
Se por acaso eu morrer por aqui...
III
A polícia chega
Os bandos se dispersam
Sigo os punks
Até um prédio antigo
Num salão pintado de branco e preto
Um jovem travestido de Boy George
Cuida dos feridos
Sentados em silêncio no chão
Grupos de adolescentes
Percebo ser uma seita
Olhando um telão em branco
Aguardam o pronunciamento do guru
A luz se apaga e a imagem robótica
Do rosto de David Bowie
Anúncia que Deus está morto
Desisto daquela bobagem
Busco um lugar pra beber mais um pouco
Seria Deus o diretor desse clip?
Começo a me preocupar
Com a possibilidade
De estar mergulhado num fluxo sem rumo
Dura pouco essa estupidez filosófica
Encontro outro bar...
Enquanto bebo
Um pensamento me perturba
"Será que David Lynch dirigia videoclips?"
Essa idéia verdadeiramente me perturba
Peço mais uma dose...
...
...
"Seria Deus David Lynch"?...

(Edson Leão)

NENHUMA POESIA

(Bilhete a Drummond)
Se tiver uma pedra
No meio do caminho
Começam o linchamento
Tirando a vida
Das retinas fatigadas
Neste país
Onde é proibido sonhar
(Edson Leão)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

SONS PARA OUTONOS CHUVOSOS

All you need is love
Na vitrola
E a chuva
Lá fora
Imola
O sentimento da noite
Açoite de outono
Ou o tom do tempo
Tangendo a gente
Pra longe
Pra perto
Átomos
Sentimentos
Adornos de dor
De prazer
De canção
Contas de vida
De vidro
De dúvida
De dádivas
No colo
De uma divindade
Ou no cosmos
Da eternidade
Do agora
Que é talvez
Um será?
Só sei que nada achei
Sem filosofias
Filo as linhas do som
Dos filhos de Liverpool
E enquanto nada novo em mim
Explode
Penso que é hora
De voltar ao velho Floyd
(Edson Leão)

FIM DE FESTA

(Da série “Poesia Auto-ajuda”)
Um dia
feito bola de aniversário
Em mão de criança
Que brinca em fim de festa
De mim
Vai fugir todo o sopro
Esse pouco, esse muito
Que hoje anima
O que em mim
Chamam corpo
O que em mim
Dizem vida

Não sei
Se realmente
Estarei morto
Ou apenas
Partindo em viagem
Para algum novo porto

Só sei que
Role o que rolar
Tudo o que de ilusão me percebo
Como uma voz
Depois de um breve ecoar
Feito um estranho e lúdico segredo
Terá sumido no ar
Talvez por isso mesmo
Por hora
Apenas canto
Pra esperar essa hora
Sem medo
Nem pressa
No tempo
No momento
No vento...
(Edson Leão)



quarta-feira, 16 de abril de 2014

DIGITÁLIA

Não sobraram montanhas intactas
Onde sábios saibam destilar
Entre estalactites
Tics místicos
E suas sábias barbas de silêncio
A baba abstrata da sabedoria
Então sorria
Você está sendo filmado
Pelo elevador
Pelo shopping
Pelo celular da adolescente ao lado
Pelo Tio Sam
Pela sede da rede em edificar catedrais de mensagens
Mosaicos de futilidade urgente
Na pressa em saltar de ponta-cabeça da notoriedade ao esquecimento
Um solo ágil de Charlie Parker entre milênios chineses de agulhas de acupuntura e teses anarquistas de como fabricar coquetéis explosivos que não deixam ressaca no dia seguinte, separam-me do mais novo “o cara” de alguma das miríades de cenas alternativas que recicla emoções supersaturadas de canções de décadas passadas articuladas com um espírito blasé de coletividade digital decomposto em ruas de selvagem quietude em chamas de aglutinação de qualquer coisa que não consigo absorver de dentro de minhas quatro décadas e um muito mais de perplexidade sobre um planeta terra sempre à espera do fim do mundo...
Melhor fazer uma pausa para o café
Antes de ler nas linhas do tempo
Fragmentos de fascismo e fascinação
Que escapam de nossas mentes incautas
Quando apenas tentamos ser... nós mesmos
Ou seja
Atores
Avatares
Em altares virtuais
Orando ao nosso próprio ego, por uma tal de felicidade, cujo programa, ao menos, ao que consta pela última pesquisa feita no google, ainda não se encontra disponível no baixaki...
(Edson Leão)

domingo, 30 de março de 2014

NOTURNO

Deixo a noite esticada lá fora
E tento dormir
Porque recolher a noite?
Subir numa escada
Desatarraxar a lua?
Chamar a polícia
Calar os bichos?
Deito nesse leito de sons e breu
Tessitura de carros
Contracanto de cães
Partitura atonal
Minimal
Aleatória
Animal
Humanimal...
De gritos
Silêncios
Gemidos
E ventos
De grilos
E gozos
Na boca do céu
No beijo do sono
No teto do crânio
Girando estilhaços
De cacos de tempo...
Latejando espasmos
No espaço
“Fronteira final”...
Bons sonhos
Bons ventos
A quem deixa que a noite
Traga sua banda
Pra tocar um rock
E deita a cabeça
Na carne macia
Negra e tranqüila
Tatuada de estrelas
Da Via Láctea...
Os latidos
As sombras
E o frio das flores
Cheiram a ausência
As noites são sempre noites
Voz rouca do tempo
A sussurrar lembranças
Daquela madrugada que não veio
Daquelas que ficaram
Das “quem sabe se virão”...
Da imprecisão do dia rindo
De sapato na mão na calçada
Com os primeiros raios de sol
Que espreitam os pomares do eterno
E a deselegância moderna
Da silueta carrancuda dos prédios...
Beijo a neblina que me enxuga o rosto
O orvalho é uma sonata de Chopin

De bengala, desengonçado, chapéu côco
Conduzo pela manhã
O Chaplin que habita meu corpo...
(Edson Leão)

PRECE



Quero minha vida
Um domingo de sol
Nada por obrigação
Disposição pra tudo
Vontade de pé na estrada
Paixão de virar o mundo
Desejo de felicidade
Pra além do meu umbigo
Pra fora de todo muro
No gramado da terra
Nas ruas, no meu quintal
No momento que é eterno
Levitando um rock’n’roll
Puxando um carnaval
Solando gols de placa
Sambando na inspiração
Sem ter que pisar na grama
Podendo deitar e rolar
Sem ter que pisar na bola
Nem comigo
Nem com ninguém
Que a vida possa ser
Assim, apenas assim
Pelos outros dias da semana
Do princípio até o sim
E no que não for,
Que por fim, seja também
Certo por linhas tortas
Pelos tempos e não-tempos
Além...
(Edson Leão)
Obs.: A vontade é que fosse lido como um disco dos Novos Baianos...

TRATADO DE PSICOLOGIA INFORMAL

Respeito Freud
Prefiro Jung
Mas pra iluminar
O que esconde
O lado escuro da lua
Prefiro ainda
Um Pink Floyd
ligado na melhor altura...
(Edson Leão)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

MALANDRAGEM

Nesse mundo submundo
Que Dom Sigismundo
Indique um rumo
Ou cada qual que se arrume
Sem chorume nem vela
Com o lixo, sem o luxo
Ou quem sabe com o bicho
E sem fita amarela

A bandidagem tá na tela
Falando antes da novela
Tá de gravata e salto alto
Tá na planície e no planalto
Televisiona dita, edita
Tem carta branca com a polícia
E eu de otário pago o pato

Tem justiceiro que é bandido
Tem escolhido que é safado
Pagar de santo é muito fácil
Dizer que é dízimo a propina,
Guardar dinheiro na piscina
Baixar poeira de helicóptero (ô palavra difícil)
E aqui embaixo eu pago o pato

É sacanagem, é malandragem
E o mar não tá mais pra viagem
Não tá pra virgem, nem vigia
E a heresia é a maresia
Que sai de dentro das cabeças
Que sai da idéia de quem pensa
E quer virar de vez a mesa
Obs.:
(Mensagem psicográfica que, supeita-se, tenha sido enviada por Raul Seixas ou por alguém tentando se passar por ele. Para ser cantado em ritmo e harmonia de rock’n’roll com entonação de cantador nordestino para ficar mais “seixiana”)
Médium Receptor imperfeito da mensagem, Edson Leão

DICA FARMACÊUTICA

Tropeçar no momento
E pisar nos pés da valsa
Com neosaldina não passa

(Edson Leão)

DESPERTAR

(De volta ao país de OZ)
Sol na vidraça
Estilhaça o sono
Ao som do cão
Que ladra
E rouba
O último sonho
Ao outro
Que sou
Ao acordar...
Sobra o novo dia
Estranho filme
Rolando
Na escuridão do crânio
Ao terceiro rugido
Do constrangido
Leão da Metro.
Hora de ir pra rua...
Bem vindo
Enfim
Ao lado escuro da lua...
(Edson Leão)
Obs.:
E o cão me diz de cor
"Never more...
Never more..."

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

MANUAL ZEN DA REBELIÃO URBANA

LIÇÃO Nº 1
Fundamental
Ouvir os pássaros
Desafiando
A manhã dos carros...
LIÇÃO Nº 2
É preciso andar sobre a fumaça
E o gelo das idéias
Coaguladas com o tempo
LIÇÃO Nº 3
Os pés pisam o silêncio
Vista do novo continente
A pressa da paisagem
Revela suas farsas
LIÇÃO Nº 4
Andar só
Na sexta à noite
Pra que buscar
O que nunca perdeu?
Levite sobre os bares
E sobre os olhos dos carros
LIÇÃO Nº 5
Nos canteiros dos prédios
Os grilos teimam
Solos hendrixianos chapados
Lição nº 6
Batismo nas mágoas do rio
Da putrefação surgirão as armas
Lição nº7
A ética do bando
Oculta o medo
E a semente da guerra
Cooperação entre indivíduos
Para exorcizar as suásticas
Lição nº 6
Aspire o pó
De velhas casas derrubadas
Xamã em transe
Ouvindo a alma da pólis
Lição nº 6
Queime os manuais
Caminhe a deriva nos ventos
Mensagens em garrafas
Poemas e canções
Garantirão a linhagem...
(Edson Leão)

domingo, 19 de janeiro de 2014

URBANO

(Edson Leão)
Hoje acordei pedra
Asfalto espetado na barba
Grafite a navalha na carne
Não senti nada.
Cara de concreto
O espelho, de outdoor
Delatando as vidraças do olho
O acrílico da lágrima
Alma lavada na pia
No Paraibuna
(“Um cavaleiro marginal”)
Saliva de óleo diesel
Língua corroída
Voz de britadeira
No café de amanhã
Sem bom dia
Sem bondes
Não sou Bond, James Bond
Talvez 00 à esquerda
Na placa: “proibido dobrar”...
Fôlego exalando fumaça
Tô urbano
Demasiadamente
Urbano
Sem aeroplanos pro futuro
Nem pro passado
Não há teto para decolagens
Um rolo compressor no presente
O anel que tu me deste
Nessa avenida
Que mandaram ladrilhar
Desabou.
Hoje acordei implosão
Edifícios que caem
Viadutos em vôo
Sobre as capivaras do silencio
Perplexas
Ante as buzinas dos carros.
Sou o arroto de um anjo
Um escarro do diabo
Do confronto
Nasce outra cidade
Em escombros...


(ARTE)FI(CTÍ)CIOS

Te enganei
De ovo
Na casca
Do novo


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A LENDA


  • (Edson Leão)
    Tem muita fome
    Nessa cidade
    Dizem que é assim
    Desde a antiguidade
    E muito lugar
    Onde se bebe
    E muito lugar
    Onde se come
    Cada qual com sua placa
    Cada qual com seu nome
    Destacados na paisagem
    Incrustados na engrenagem...
    Mas tem um lugar
    Que não se vê
    Nem em foto
    Nem miragem
    Que nem sequer
    Tem um nome
    Nem banheiro
    Nem garagem
    Nem maquete
    Nem saudade
    Deve ser por isso
    Que o dito sítio
    Até hoje
    Não foi visto
    Pois até hoje
    Não existe
    Senão na viagem
    Senão no mito
    Um lugar ...
    Um lugar esquisito
    De quem não aceita
    Que a vida
    É esse ser
    Tão triste
    Um lugar
    Onde além
    De beber e comer
    Também se vive...
    Dizem que
    Quem procura por ele
    Some
    Na eletricidade
    Do olho do tempo
     A caminhar
    Sobre um rio
    Sem viaduto
    Sem ponte
    E cuja água
    É um sorriso
    No sonho
    De um deus
    Que se esconde
    Num canto
    Da alma
    De quem
    Ainda ousa
    Sonhar
    Estar vivo...