quinta-feira, 22 de maio de 2008

JUIZ DE FORA

(Edson Leão)
Do brejo vão do tempo
Saltam ruas, avenidas
Mil ciclos de estrelas
Sobrevoam as cabeças
As pedras se empilham
Viram casas, sobem prédios
As pontes cobrem o rio
Separando cada lado
As vidas sobem morros
Padecer de sol a sol
Pessoas sobem morros
Pra descer no carnaval
Um samba pisa o brejo
Pisa o tempo, cruza as pontes
Cabrochas pisam pedras
Cruzam rios, calçam estrelas
Que baixam até o asfalto
Só pra vê-las desfilar

CANTIGA AO PÉ DA SERRA


(EDSON LEÃO)

VAGA LUME LUMIANO
ACENDE O AR

SAPO ENSAIA UM PAPO
E INTEGRA O MEU CANTAR

CASA FUMA LENHA
E INCENSA O BOM DO AR

GENTE BEBE UNS GOLE
ESPERA VIR LUAR

VI NO MÊI DA NOITE
OS ZÓI DO BREU BRILHÁ

A LENDA DO VÔ TAIÁ


(Edson Leão)

Quando entristeceu
Vô Taiá fez um tái nos pulso
Mas num morreu
Deixou as água do rio vermêia
A terra virô barro
Cum o jorro das suas vêia
Ele viu que aquilo era bobage
E riiiu...

Provô umas planta
E riu mais ainda
E veno que a chuva já vinha
Puxô o gogó na cantoria
E pegô dum atái pelo pasto
No mêi das bosta dos boi
Cantano uns versin desse jeito:
“Vô taiá pelo pasto
que a chuva já vem
vô taiá pelo pasto morena
pra vê se a onda vem...”

Vô Taiá andô inté iscurecê
E sumiu no breu
De perto ninguém mais viu
Mais fala o povo
Que quem vai na estrada de noite
Vez ou outra escuta o véi
Cantando do mesmo jeito
E as vêis fazeno troça
Cuns cabôcro de idéia torta
Que só faiz istrago nessa vida rasa
E se assusta quando ele ensaia:
“Vô taiá pelo pasto
que a chuva já vem
vô taiá pelo pasto morena
pra vê se a onda vem...”

domingo, 11 de maio de 2008

DEUS E O DIABO (AINDA...)


(Edson Leão)
O click da arma
Que falha ao acaso
É a única proteção...

Pois os tais coronéis
Do passado presente
Ainda armam jagunços,
Inda matam sem paga
Inda mancham o chão.

E o dique que barra
A esperada mudança
Se chama justiça
A cega balança
De duas medidas
De causas compradas
De honras vendidas
De barbas atadas
De calça arriada
Posando de quatro
De rabo tão preso
Negando outro fato
De cú tão travado,
Comendo na mão.

Anapu, nosso atraso
É o Brasil norte a sul
É a lei feita à bala
Lei da mala com grana
Do cinismo sacana
Do dono que manda.

É queima de fogos
É queima de arquivo
É queima de índio
É à queima-roupa
É à sangue-frio
É sangue indefeso
Que a lei nunca poupa.

É a morte com aviso
De freira, de índio,
De quem não se vende
Do humano indigente
De quem não se rende
De algum Chico Mendes
De quem não se cala.

E o país vê da sala
A chacina na tela
Se embriaga e consente
Silencia e espera
Uma nova novela
Outra vida, outra banda
Um cortejo demente
A espiar da janela...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

SOBRE AS HORAS


(Edson Leão)
Quando um aquário prende o céu
E os ossos do tempo
São regados a vinho
Exumados por lembranças
Sob a proteção de nuvens
Ter você ao meu lado
Paralisa desabamentos
E acalma a corrosão das horas...
Ilustração: Salvador Dali