quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ACORDAR ZEN


(Edson Leão)
Acordar bem
O sol acendendo
A bagunça do quarto.
Acordar zen
Já não ter bagunça
Nem quarto.
Acordar quem?
Sem nascimento
Sem parto.
Acordar sem...
Não estar faminto
Nem farto.
Acordar e só.
Abrir janela
Desatar nó.
Acordar claro
E ver que a vida
É um fato!
Acordar raro
Largar no chão
Todo fardo.
Acordar bem
E ter da vida
O que vem.
Acordar zen...
Acordar sem...
Acordar bem...

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

LABIRINTOS

(Edson Leão)

Aceite os estilhaços
Que ofereço como prova
De que sobrevivi às bombas
Que de minhas entranhas atirei
Contra o fossilizar das horas
De existir como imagem
Aos olhos de quem não me lê
Posto que eu
Só aos poucos decifro
O que de mim
Ergui labirintos

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

CIDADE

(Edson Leão)

Rua suja
Paredes gastas
Pichadas
Riscos que não dizem nada
Murro surdo
Silêncio concreto
Contorcido aos berros...
Ando com as mãos nos bolsos
Calçado gasto
Poemas na mente
Postes retorcidos
Janelas quebradas na velha escola
Que grito ensinaria a rebelião?
Que anjo Zen de pés no asfalto?

Garotos gingam a malandragem desse tempo sem sentido
B-Boys-passistas-de outro-velho-fim-do-mundo-pressentido
Garotas mandam bem nas curvas sem perder o rebolado
Porta-estandartes-preparadas-pra-dançar-até-o-chão
E a cidade ainda erguida sobre pilhas de edifícios                                     
Estilhaços de canção, velhos sambas esquecidos
Suspensa nas batidas percutidas de algum funk
Lançadas das entranhas, profundezas de automóveis
Guiados por moleques  procurando diversão
De um canto a outro do abandono
Buscando da cidade, o que ela nunca tem pra dar
Entre as galerias-labirinto
E suas pontes projetadas
Pra parir novos abismos
Ela, a “mulher-cidade”
Aquela que não se entrega
Aquela que não se nega
À adiposidade pegajosa
Daqueles que lhe podem comprar
E por bem pouco
A “mulher-cidade” e seu juízo de fora
A ágora sem hora, sem honra para ouvir a prosa
De seus poetas sem posse
De seus profetas sem pose
Sem fotos nas colunas sociais
Invertebradas, inveteradas
 Colunas partidas do templo
Que um Sansão que vendeu seus cabelos
Já não pode derrubar...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

PIRLIMPIMPIM


(Edson Leão)
Quero sair de mim
Onde é que tem um pó
De pirlimpimpim?
Onde desfaço o nó
Da gravata
Agravado
Pelo nó na garganta
Que não canta mais
Agora Berra
Por mim
Por nós
Pelo fundo sem fundo
Do mundo
Em transe
No trânsito
Às 6 da tarde.
Há quem mate
Há quem roube
Há quem ouve
O que toca no rádio
E o que houve
Comigo
E com o umbigo
Dessa gente?
Fliperama retrô
De egos que arrotam
E não digerem
E se ferem
Nessa esfera
Em rota de colisão
No coração
Da cidade
Do planeta
Emaranhado de fios
Alta tensão da rede
Na sede de mais informação.
Na seda da solidão
Aperto a ponta
Do que sobrou de um sonho

quarta-feira, 16 de maio de 2012

VÔ E VÓ, E VAIS, E VAMOS

(Edson Leão)

O fumo de rolo
O rapé
A lenha no fogo
O café
O rádio no escuro
O São Jorge
Circundando de luzes
A casa
Uma venda
Uma fenda
Na alma
A saudade é um presente
Que falha
Uma canção caipira
No vento
Sintonizando fantasmas
Do tempo...

terça-feira, 15 de maio de 2012

CALMA

(Edson Leão)

Ah! Se a calma me quisesse acompanhar pela rua
De mãos dadas,  sem desabamentos no peito
Olhando crianças nos parques e os velhos
Jogando migalha aos pardais...

Ah! Se a calma me quisesse acompanhar quase nua
Despudorada de já não se ligar para nada
Sem lenço, sem bolso ou apartamento
Sem carro para o transito engarrafamento...

Ah! Se a calma me quisesse acompanhar quase pura
Mas com a malícia de quem tem tempo pra gozar
Sem culpa, da carne e do espírito
E da cara dos passantes a criticar:
“Afinal que cara é esse pra viver com essa calma?
Não vê que o dinheiro é o tempo e o tempo é o não é?
Não vê que é preciso atropelar, apelar para santos e demônios
Arrancar ouro em pedra da manhã?”

E eu então apertaria a mão da calma
E riria como um hippie a rir da ira
A ir na lira  levar vida no sopro da flauta
Artesanando com tesão o instante
Que de eterno é o que da mão escapa
E o que escapa é o que é vivo
Peixe no rasgo da rede
Verde que foge ao facão
Ave burlando o alçapão
Na calma...



PASSAR...

(Edson Leão)

O que deixo passar
Soprar
Um seixo
Num rio que eu crio
Pra ir para o mar
Aprumar
Qual pipa
Qual beijo
Lançado no ar
Pra quem passar
Por meu passar pelo mundo

Inundo de vida
O vazio que fica
Me divirto com a  lida
De apenas passar...

VATE

(Edson Leão)
O meu olho fechado enxerga o tempo
Estilhaços, capelas e vitrais
Vê na luz da saudade o esquecimento
Lê pirâmide em prédios colossais

O presente é um passado cinzento
Faraós caducando em seus cristais
Suas tumbas pesadas de cimento
Soterrando os seus velhos ancestrais

Cantador sou, das horas de silêncio
De quem dorme pra cedo trabalhar
Bebe o frio, a cachaça, e o vazio,
Pra sonhar que outra sexta vai chegar

Quando a ave noturna espreita o tédio
A rotina já fecha um outro bar
Tanta sala vazia em tanto prédio
Juiz de Fora congela o não mudar

Eu estou, sempre estive e estarei
Na vigília do erro e na canção
Pois meu canto é palhaço e ri do rei
Rima amor com prazer, transformação

Quem não gosta que invente um outro mote
Que eu por mim, bem queria é ver além
Se a tristeza batuca, o santo é forte
Ouve a voz da alegria no que vem...

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Vai-se o poeta, ficam os dedos


(Edson Leão)
.
...
Vai-se o poeta, ficam os dedos
Digitais tatuadas nos versos
Dedurando...
Confessando que ele se viciou em sentir
E por vezes em fingir ser dor
A dor que a poesia sedou
A dor que se deu no papel
No guardanapo
Numa canção entalhada a cinzel

Vai-se o poeta para o céu
Depois de uma temporada no inferno
Vai-se o poeta de terno
Posar pra foto em carteira
Passaporte, viagem certeira
Vai-se o poeta atrás do eterno
Vai-se o poeta, ficam os dedos
Rasurados no copo que a solidão tatuou
Num brinde num bar com ninguém
Ouvindo uma canção, quase réquiem
E rindo... como só sabe rir
Quem dessa vida percebe
O quanto gozou e sofreu

Vai-se o poeta, ficam os dedos
O médio erguido pro alto
“Na única saudação apropriada”
Tal qual prescreveu Ferlinghetti

Vai-se o poeta, ficam os dedos
Metáforas apontadas contra as caras
Pasmadas, rubras, falsas
Carapuças mal vestidas
Carapaças mal trancadas
Dos poderosos
Pegos em falso em suas trapaças
“como cachorros dentro d’àgua no escuro do cinema*”

Vai-se o poeta, fica o poema
Por que um dia tudo passa
E ficar por aqui
É marcar passo
A contar estrelas no chão da tristeza
A costurar estragos no céu da alegria
A contar espasmos nos lençóis do desejo
É muita trilha, é muito pão, é muito beijo
De cansar o sapato, o coração,e os nervos
Até que um dia...
Tudo para!
Num banco da Estação de Astapovo
Com Tolstói e Quintana em outro jogo...

Vão-se os dedos, por fim, também
Ficam os anéis...
De saturno
Que por seu turno...
Prosseguem...
Como a Terra, como as guerras...

Vai-se o poeta e tudo fica
Como se nada mais tivesse sido
Nada mais que um hai kai no vão do tempo
Uma folha que cai aos pés do outono
No silêncio acarpetado do infinito
Um simples gesto...
Porém...
Belo...
...
 .

quarta-feira, 11 de abril de 2012

SOBRE GAVETAS E ETERNIDADES

(Edson Leão)


Em cada gaveta esqueço
Poeira de milênios
Traços de vida
Versos rascunhados
Inúteis fotografias
A passagem de uma sombra
Um murmúrio do silêncio
Uma gota do eterno
Que provei sem planejar
O que guardo são entulhos
A voz da vida é sem molduras
Sem amarras
Sem açudes
Flui num rio
Vai sem mar
Escoando com prazer
Porque tentar lhe segurar?
Nossa avareza por momentos
Impede o novo de tocar
A nota funda
O dó no peito
No teatro dessa carne
Que finge estátuas de sal
Submersas na sede de sol...

quarta-feira, 7 de março de 2012

As estátuas de bronze do solar


(Edson Leão)

Aos barões do tempo
Deixo a sola de meus versos
No assoalho da voz
Tatuando no chão
Os sinais de fogo da rebelião

Aos barões do tempo
Deixo a gota
De veneno
Destilada dos sons
De suas taças cristais
Dos troféus de caça
A morder seu sono

Capoeira poeira levantou
A navalha do vento o verbo atou
Dissipando as algemas da razão
E a poesia abre um rasgo no real
Pra ver doer, sangrar
As estátuas de bronze do solar...