quinta-feira, 28 de novembro de 2013

FANTASMAS

(Edson Leão)
Eu ...
E o fantasma de Halfeld
Vagamos
Pelo Calçadão à noite
Ignoro seu espectro
Ele desconhece o meu
Nenhum de nós
Cabe mais na cidade
E não há nenhum bar
Onde possamos nos apresentar
Ele se vai na fumaça...
Há algo de podre...
Neblina vendando olhos
Wasteland do Brejo
Teu Tejo amarrotado de fezes
Guardado
Pelos “Cavaleiros da Real Ordem Das Capivaras do Paraibuna”
Em eterna luta
Contra o “Clã das Antas do Nunca Mais”
Sob a escuridão que seus postes projetam
“Seus anúncios luminosos
Que são a vida a mentir”*
Seu centro apodrecido
Mausoléu de caixas
Concretando vidas
Numa noite milenar
Que chora estilhaços
Cristais do império
Retinas
Vitrais
Tamancos proletários da aurora
Candelabros
Comércios falidos
Primaveras de chuva e frio
O suor têxtil de operárias
As árvores que já não estão
Porta-bandeiras e passistas passados
“Roubaram a mulata”´**
De um carnaval submerso em buzinas
E sambas deletados
No êxtase do alzheimer feliz
De seus neurônios encarcerados
Cidade em transe
Meu espírito, em cortes, sorri
Sobrevoo tuas casas
Das quais só restam as almas
Aprisionadas em livros
Na carne da fotografia.
A este esboço de lembrar
Ergo um brinde macabro
Romântico, Gótico, Punk, Metal
Uma taça coagulada de sangue
E um jorro de lágrimas de acrílico
A despencar
Da fachada grotesca dos prédios
Um brinde
Por uma cidade onde não existi
Onde ninguém existiu
Onde ninguém pode ser
Um brinde a uma cidade que acabou!
Para me escutar
Restaram os prédios
Com suas fibras sólidas
Duras e frias
Feitos à imagem e ganância
Da natureza que os gerou...

*Empréstimo de Orestes Barbosa.
**Empréstimo Parangolé Valvulado

SOLIDÃO

(Edson Leão)
 Adão
Olhando o céu
Noites
Antes da costela...
Ninguém com quem comentar
O capítulo da novela...

domingo, 24 de novembro de 2013

PASSAR...

(Edson Leão)
Deixo passar o tempo
Ele é que não me deixa
E sempre me leva algo
E sempre me arrasta um pouco
O tempo move a tarde
Mesmo aquela morna
Em que nem cachorro late
O tempo me bate
Jogando verdades na cara
O tempo é experiência rara
Cada tempo só uma vez
De sua passagem só saudade
Lembranças daquele dia de mar
Daquela chuva, do amor,
Velhas amizades
Viagens, cidades
Festas, miragens
O tempo vai sem bagagem
Tudo o que tem
É a mobília da memória
Entulhando a casa em nós
Com mil bibelôs
Sentimentos grudados
Feito imãs de geladeira
Na carne da alma
Porta-retratos
Segredos amassados
Nas gavetas do passado...
Deixo passar o tempo
Ele é que não me deixa
E sempre me leva algo
E sempre me arrasta um pouco...

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

VALEU JACK!

(Edson Leão)
Valeu Jack!
Por abrir as porteiras desse mundo
Pras cabeças passarem
Valeu Jack!
Por deixar o seu rastro de poeira
Nas estradas do mundo
Valeu Jack!
Por mostrar que era pra dentro
O mergulho mais fundo
Valeu Jack!
Por meditar enquanto o lucro
Ganhava as almas 

E os corpos do mundo
Valeu Jack!
Por espreitar a voz de Deus
Nos labirintos
Das sarjetas do mundo!
Valeu Jack!
Por ser o santo beberrão
Um zen profeta
Iluminando o futuro
Valeu Jack!
Por consumir seu corpo e alma
Até por quem
No fundo te desprezava,
Valeu Jack!
E pra quem não entendeu
Eu só lamento
Pois as respostas
Estão soprando no vento
Valeu Jack!
Valeu Jack!
Valeu Jack!

*Folk Rock rural em agradecimento a Jack Kerouac. Pedindo licença ao amigo de Ou Sim e outras idéias, João Paulo de Oliveira, que transita com bem mais propriedade pelo universo do nosso amigo beat.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

SOBRE HUMANOS E MÁQUINAS

(Edson Leão)
Acordar
Se sentindo mal na foto
Algo meio: retrato três por quatro
Em documento de olho esbugalhado
E cabelo lambido, mal acomodado.
Ter que sair pelo dia assim
Ignorar do elevador
O riso entre dentes
Enquanto fecha a porta
E finge obedecer ao teu comando
Quando sabe que você
Não tem mesmo outra escolha
Senão seguir com ele até o térreo
Para ser humilhantemente exposto
Ao voyerismo
Das câmeras de segurança do prédio.
Cada botão que apertas
Sente em tuas mãos trêmulas
O inferno que levas, clandestino.
Agora é bater o portão
Ganhar a rua
Submisso ao bullyng das buzinas
Sentindo como se todas as coisas vissem
O amarrotado explícito em teu espírito
Como quem dormiu com a roupa de sair
E não teve tempo de trocar de pele e fardo
Como quem expõe em pêlo, o pensamento
Frente à cidade
E seus olhos de impiedade.
Os postes cochicham ao teu passar nas calçadas
As janelas de edifícios “paparazzam” sua alma.
É preciso manter a calma
Não pensar no que os carros comentarão
Em assembléia extraordinária
Nas garagens e estacionamentos
Posto que as máquinas
Tudo sabem
Daquilo que nos vai por dentro
Feitas à nossa imagem
E semelhança
Seres programados
Para tarefas rotineiras
Repetitivas, mecânicas
De existências sem sentido
Sem muito mais que fazer
Do que debruçar-se
Com vista privilegiada
Sobre a comédia e a tragédia
Que encena a existência humana
Criaturas
Destinadas ao descarte
E ao oculto mistério
Sobre o que afinal as aguardará
Após partirem desta
Para algum irremediável
E inoxidável destino
Além dos muros
De um inexorável
Deletério
E faminto
Depósito de ferro velho.

TARDE NO SHOPPING

(Edson Leão)
Bela tarde para ir ao shopping
E eu não tenho nada pra comprar
Mas porque não curtir o fim do mundo?
Dizem que ele anda por lá
E que ele sobe e desce as escadas rolantes
Menino travesso esse fim do mundo
Dizem que ele se esconde embaixo das saias
Cola o rosto nas vitrines
Pra deixar sua cara amassada
Impressa feito digital
É esperto esse fim do mundo
Ganha muito dinheiro
Vendendo quinquilharias
Se esconde em um molho ou outro
E nas latas de refri
Da praça de alimentação
Fura a fila da pipoca
Para ver bem nutrido
Cada filme que ele encena
Tem muita pena
Esse moleque safado
De ver como as pessoas
Não se divertem como ele
Afinal
O fim do mundo deve ser divertido
Já diziam os Punks
Há muitos fins do mundo atrás
É erudito esse safado
Folheia teorias e mais teorias
Que escrevem sobre ele
Sentado confortavelmente
Nas almofadas fofas
Da Livraria Saraiva
Dá raiva ver
A peraltice do bicho
Saltitando de loja em loja
Rindo do marasmo dos passantes
Que não se mancam
Que a única diversão interessante
Que se tem realmente ao ir ao shopping
É assistir
A esse comediante
Brilhante em humor negro
Hilariante em seu nonsense
Inconseqüente e original
Especialista em besteirol
“O Cara!”
Praticamente genial
E ao mesmo tempo discreto
Rindo de todos
Sem que a maioria perceba
Que é ele
O grande espetáculo...

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

VIAJANTE DO TEMPO


(Distopia blues’n’roll)
Pela fumaça do bar
Percebo que estou no passado
Eu acabei de chegar
Me sirva algum drink gelado
“Sim”, eu insisto
“Eu vim do futuro
E lá era um lugar bem seguro
Ninguém mais fuma num bar
A vida é cheia de muros
Ninguém bebe, ninguém transa, nem sonha
Mas também, ninguém vai se frustar
Todo mundo vive cheio da grana
E o passatempo é ir pro shopping gastar
Eu sei, meu papo parece absurdo
Mas não é sempre que escapo ao futuro
E não quero perder um segundo
Que tal um beijo
Ao som da banda no fundo     
Talvez uma transa...
Entenda
Não posso perder um segundo                
Pois de onde eu venho
Ninguém mais faz barulho
Ninguém tem banda
Ninguém toca num bar
Só hologramas projetados na mente
Ninguém beija nem ama
O computador faz gozar
Então por favor
Não deixe esse lapso de tempo passar
Não é sempre que o futuro
Deixa alguém
Equivocadamente
Por um rasgo do tempo
Feito um fugitivo de Alcatraz
Escapar...”
(Edson Leão)

A REDE

(Edson Leão)
A rede tem sido fundamental 
Pra que eu me sinta conectado. 
Armei uma rede no quintal. 
Pink Floyd, Atom Heart Mother, 
Lado A, na vitrola. 
Meu cachorro do lado.
O céu e o bosque do Bairu... 
Nuvens passando... 
Um azul denso, pegando voz de noite. 
As primeiras estrelas. 
Um avião. 
Os sons dos vizinhos não me perturbam. 
Isso é conexão. 
O resto é download. 
Com licença... vou voltar pra lá...

FATOS E FOTOS

(Edson Leão)
Somos todos estranhos
não importa que o ângulo
esconda esse fato
num canto da foto...

EVOLUÇÃO

(Edson Leão)
Já não fico triste no domingo
Virtudes de ficar mais velho?
Mais sábio?
Mais bobo?
Já não lembro dos motores
Dos carros da Fórmula 1
Soando irritantes
Na TV do vizinho
Quando acordava de bode
Ou de ressaca de vinho.
Até gosto das ruas
E do cheiro de frango
Girando no forno
Enquanto finjo ler
As manchetes na banca
Que definitivamente
Não me interessam num domingo.
Mas como é bom comprar o jornal
Levar para casa
E fingir que vou ler
Algo além da legenda das fotos
E dos títulos do caderno B.
Sinto-me irmanado
Com som do pagode
Que vem com a fumaça do churrasco
O bater de copos de cerveja
Por todas as ruas
De qualquer bairro do caminho.
Bebo um gole no almoço
Às vezes durmo
Quase não reclamo do shopping
Fico até feliz
Quando passo por alguém
Com som do rádio de pilha
Torcendo
E o gol é do Vasco
Já não sinto asco
Das videcassetadas
Das piadas sem graça
Da risada do Sílvio
Do Fantástico
Dos filmes de porradaria...
Do domingo
Sendo enfim
O que sempre foi
O bom, velho e quase imutável
Domingo.
Quem diria!
Um passo para a iluminação
Já não me incomoda o domingo
Quanto à segunda...
Bom...
Isso aí já seria
Em termos espirituais
Quase um estado de Buda
Projeto pra outra encarnação
Quando eu já nascer meditando
De cabeça raspada
E olhos apertados
No Tibet ou no Japão...

KOAN

- Mestre como posso atingir a iluminação?
- Já tentou atirar uma pedra na lâmpada?
Cacos e escuridão espalhados pelo templo...

DISCOS

(Edson Leão)
Discos
Ecoando entre as luzes da rua
Discos
Na penumbra
Subversiva dos quartos
Discos
Nos corpos das garotas se abrindo
Discos
Na mão de aprendiz dos meninos
Discos
Tornando todo amor permitido
Discos
Na fumaça
Nos neurônios fundidos
Discos
Na cachaça
Na festa
Na fresta dos sonhos
Discos
Fazendo a vida ter sentido
Discos
Na digital de cada tempo
Discos
Na mobília dos sentimentos
Discos
Pra provar que estivemos aqui
E fizemos o que fizemos
Discos
Pra quando a polícia tentar provar que fomos nós
Sim
Que amamos
Que brigamos
Que quebramos a lei
E o silêncio
Que fizemos a cidade acordar
Discos
Pra acreditar que tudo é possível
Discos
Pra suportar o que não foi
O que não deu
Discos
Pra lembrar que fizemos de tudo
Discos
Pra lembrar
Que esse tudo
Valeu!

SEM ASSUNTO


(Edson Leão)
O poema pede um copo
Uma garrafa
Uma mesa
Um bar
Tudo por puro efeito cenográfico
Não que ele queira beber
Não que ele vá respirar
A atmosfera de fumaça
A luz vaga
E os vultos espalhados
Entre o balcão
As mesas
Os banheiros
O poema nada tem a ver com nenhum deles
Mas paga bem pelos seus figurantes
O poema pede sentimentos
Uma densa cadeia eletromagnética
De amores, de fonemas passionais dilacerados
Atirados contra o espelho
Como copos esfacelados no tempo
Metáforas ásperas
Como cacos de garrafa
Apontados para os pulsos
Ou para o rosto de um rival
O poema pede um piano
“As time goes by” dedilhada ou algo igual
Preferiria talvez um Tom Waits
Mas o poema tem trilha própria
E ela se quer pop
Porém arquetípica
Notas que toquem o inconsciente
No mais coletivo de suas equações
O poema quer abalar corações
E eles hoje já estão tão saturados
Que é melhor remeter ao passado
O poema bebe um drink gelado
Movimenta com o dedo os cubos
O poema viu isso num filme
O poema já assistiu filmes mudos
Musicais
Comédias românticas
E até baseados em fatos reais
O poema viu coisas demais
A tal ponto
Que não sabe o que ver
Ou o que dizer
Mas o poema sabe
Que precisa dizer
E bem rápido
Pois mais um pouco e a página acaba
O poema sabe
Que o que importa
É convencer a quem paga
E assim ele insiste em dizer
E em sentir
O ser dor, o fingidor que deveras mente
O poema está quase emocionado
É quando então ela chega
Usando um vestido vermelho
O poema a enxerga do espelho
Treme e derruba o copo
Se atrapalha
Ela chega e se espalha
Pede pra acender o cigarro
Ele entra no jogo
O poema oferece a ela o fogo
É nesse momento
Que a chama se espalha
E que tudo, por fim, arde em brasa
O papel
O poema
A cena
O cenário...
A produção falhou.
A chama
Ao contrário dos sentimentos
Esqueceu de se dizer cenográfica.