quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Pra onde vão os guarda-chuvas?

Pra onde vão os guarda-chuvas
Quando nós os perdemos?
Pra onde vão as agulhas
Quando incendiamos palheiros?
Pra onde vai o sentimento
Depois do ressentimento?

Onde deságua toda essa água
Toda essa mágoa
Quando a trégua enfim tudo traga?

Terá a vida a cleptomania
De se deliciar em nos tomar tantas coisas?
Pequenas coisas, grandes fortunas
Brinquedos quebrados,
Impérios saqueados,
Segredos corrompidos,
Amores adiados,
Poemas, mistérios,
Anjos de cemitérios
Flores de outubro
Janeiros, jardins...
E o futuro...
E o futuro...
E o futuro?

PAPÉIS NO ASFALTO

Nas portas das lojas do centro
Garotas entregam papéis
A última queima de estoque!
O show de outra banda de rock!

Descubra sua sorte nos búzios!
Compramos almas à kilo!
E o alívio que você precisa
Compre em nossa mais nova loja!...

Seja você mais um dos nossos!
Quinhão no céu, com tudo pago!
Compramos, jóias, ouro e voto!
Me reeleja, que agora eu faço!

Cada papel, um fundo falso
Porta secreta, outra miragem
frases que leio rasgo e amasso
E vão se acabar no asfalto
Junto com os que seguem marcando o passo...

CANTIGA

(EDSON LEÃO)

a lua partiu-se em duas
o céu se molhou no mar
a sede bebeu a chuva
teu corpo era o meu olhar

janeiro tremeu de julho
arrepio em te tocar
meu lábio na tatuagem
as costas por deslizar

na pele desenho um mapa
de língua, de lábio, e dente
de leve, nas curvas quentes
em frente no navegar

Que a lida é provar a vida
Tua carne em minha saliva
Minha boca que a tua abriga
Tua alma, que a minha instiga
a no gozo te visitar

I(MANIFESTO)

CONTE UMA PIADA
QUE FAÇA OS HIDRANTES
CHORAREM

FALE ALGO PER(VERSO)
QUE FAÇA OS OUT-DOORS
CORAREM

PENSE ALGO ENOJANTE
QUE EMBRULHE AS VICERAS DOS POSTES

PREGUE PEÇAS
QUE ABALEM A SEGURANÇA DOS COFRES
HIPER-BLINDADOS COFRES
DOS BANCOS QUE ACUMULAM FUTUROS

CANTE BLAS(FÊMEAS) INFAMES
QUE PAREM O TRANSE DO TRÂNSITO
E ABALEM AS PEDRAS DOS TEMPLOS
QUE ÀS VEZES PARECEM BANCOS

FAÇA ALGUMA COISA
QUE MOVA AS PEDRAS DA PÓLIS
E ABALE OS NERVOS E APÓLICES
E A INÉRCIA DE SEUS TRANSEUNTES

QUE A TARDE SE FAÇA ARTE
ANTES QUE SEJA TARDE
E A ALMA DAS “CALLES” SE CALE
E A CARNE CONGELE DEMAIS

DE MAIS A MAIS
SE NÃO FOR RIMA
NEM SOLUÇÃO
QUE SEJA AO MENOS
DIVERSÃO!

Poesia virtu@l - Tribuna de Minas de hoje


Bruno Calixto

Repórter

O acesso à poesia, antes restrito às prateleiras das livrarias, hoje tem o aval da tecnologia. Como alternativa ao exigente crivo das editoras, poetas de diferentes gêneros têm apostado na democratização da leitura de suas obras, redefinindo formas e espaços da relação obra-público. Este nicho da literatura tem atraído a atenção de autores locais, que optam por disseminar sua produção em blogs, reafirmando a máxima difundida por catedráticos do ramo, como Moacyr Scliar, que defende a necessidade de publicação “onde quer que seja”.

Mecanismo fácil para a divulgação de textos em geral, o blog é a bandeira da independência da nova geração de escritores. “Acho que é a grande possibilidade de democratização da literatura, seja em prosa ou verso, de uma forma geral. O acesso irrestrito do público possibilita interação com o escritor e novos contatos deste com seu público”, ressalta José Alexandre Abramo, produtor cultural do ECO Performances Poéticas e um dos colaboradores do “Caderno encontrare”, de literatura. Segundo ele, este pode ser o caminho ideal para romper com preconceitos e estimular a leitura, apesar de “o livro físico dar uma sensação maior de profissionalismo e aprofundamento literário”.

Para o professor de história e escritor Tiago Rattes, mais que tornar o conteúdo acessível, o blog tem aberto espaço para uma nova geração de poetas, cuja produção traduz “sentido mais pop”. Ele cita como exemplo a escritora carioca Bruna Beber e o uso que ela faz de seu blog (didimocolizemos.wordpress.com). “Ela o utiliza como uma espécie de ‘podcast’ (arquivo digital), em que divulga, também, poesias de outros autores. Aliás, o blog é uma ferramenta muito importante, porque possibilita o contato com outros poetas do Brasil, como no meu caso com Chacal. Eu estava no blog dele e, sempre que comentava, divulgava o meu (tiagorattes.blogspot.com). Passamos a trocar e-mails, e agora um acompanha o do outro”, conta.

Uma estrada de infinitos caminhos, a internet é um território a ser ainda mais explorado. De acordo com o editor do jornal literário “O Rascunho”, Rogério Pereira, dependendo da intensidade do uso da rede, a relação escritor e publicação virtual pode ser avassaladora. “Tempos atrás, o poeta escrevia, imprimia, mostrava para alguém ler e aguardava o retorno. Um caminho mais demorado. Hoje, o que existe é criar e ter resposta instantânea”, observa o jornalista, comentando que, durante uma conversa com um amigo, constatou que qualquer microconto publicado numa rede social como o Twitter, por exemplo, tem repercussão imediata.

Rogério Pereira salienta que, se, por um lado, esta instantaneidade favorece a possibilidade de inserir mais um trabalho no circuito, por outro, pode gerar uma certa ansiedade em publicar e ter retorno daquilo que, às vezes, teria que ter passado pelo processo de aguardar uma segunda leitura antes de chegar ao público. “Muitas escritores são engolidos pela pressa, que a internet tem e a literatura convencional não tem. Afinal, a literatura tem tempo de leitura e produção lento”, conclui.

Apontando caminhos
O escritor Luiz Fernando Priamo, que reuniu poesias publicadas em seu blog (otarioinvoluntario.blogspot.com) no recém-lançado livro “Involuntário”, caracteriza a ferramenta como um tanto caótica, considerando a perda de controle por parte do autor com relação a sua obra. “Muitas vezes, as pessoas postam poesias por postar”, dispara o poeta, apropriando-se também do legado proliferado pelo compositor Chacal. “Não é uma questão de só mostrar a poesia, mas manter a visibilidade em si. A poesia na rede pode até ajudar, pois sabemos que esta é uma arte que interessa a poucos se comparada aos romances”, completa Priamo, cujo blog foi criado há três anos para divulgação de oficinas e eventos literários, como o ECO.

O confronto entre o volume e a qualidade de informações na internet é apontado pelo jornalista Rogério Pereira como fator “angustiante”. “Leio algumas coisas que me mandam, mas leio muito no livro, o tempo todo. Prefiro o papel.” Luiz Fernando Priamo concorda, ao lembrar do Prêmio Camões 2010 - um dos mais importantes do gênero - concedido ao poeta Ferreira Gullar, pelo conjunto de sua obra.

Outro ponto polêmico refere-se aos direitos autorais, assunto que deve ser debatido na esfera política e civil e burocratizado de forma legal, como observa José Alexandre Abramo. Rogério Pereira, ao comentar sobre um bate-papo com a ensaísta Heloisa Buarque de Holanda, defende que, apesar de ser uma “briga complicada, pressupõe-se que quem publica na internet sabe que está soltando para o mundo”.

Poesia de músicos
Militante da geração “marginalizada” de artistas dos anos 70, Chacal é um dos raros exemplos de multi-artistas, cuja produção consegue transitar entre música e poesia. Assim como ele, uma legião de representantes de outros setores artísticos “invadem” a praia da poesia e/ou vice-versa. Em Juiz de Fora, os compositores Edson Leão e Danniel Goulart, da banda Eminência Parda, mantêm versos em seus blogs que nem sempre viram música.

Sem a pretensão de ser enquadrado como poeta, Leão considera seu blog (bardosabordo.blogspot.com) uma página de textos em versos, não necessariamente produzidos para se tornar canções, embora isto aconteça com alguns. Por conta da repercussão do seu blog (suaeminencia.blogspot.com), Danniel Goulart passou a integrar a equipe do ECO Performances Poéticas, o que, a cada dia, o estimula a seguir com sua produção. “Minhas poesias foram escritas em cadernos e folhas que ficavam perdidas, até serem documentadas no blog. Com isto, as pessoas leem e comentam, o que motiva qualquer um”, argumenta o letrista, que também não se define poeta. “Acho que o fato de publicar onde quer que seja é importante para receber crítica, colocar a cara a tapa. Tem gente que entrou no blog para ler sobre música e saiu satisfeito com as poesias”, diz.

Cantora e cronista, Daniela Aragão também apostou no blog (ocantodadaniela.blogspot.com) para extravasar sua arte, que inclui, entre muitos outros gêneros, textos poéticos. “Parece-me que há novamente aquele espírito criativo que envolveu a geração mimeógrafo dos anos 70, mas obviamente com uma série de transformações, em que o contexto político e tecnológico, para o bem ou para o mal, é outro”, resume.

Poesia.com

Outros blogs

> geleiageral001.blogspot.com
Da produtora Laura Assis (ECO)

> kadumauad.blogspot.com
Do poeta e compositor Kadu Mauad

> signodeplutao.blogspot.com
Do professor de literatura e poeta Anderson Pires (escreveu o romance online “Malditos” através do blog, onde vai publicando os capítulos aos poucos)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

COMO UM CARNAVAL AFLITO


(Edson Leão)
TODA MANHÃ ABRIR A JANELA
E ESPANTAR TEMPESTADES
ATRAVESSAR A TELA DA TV
PELA FAIXA DE PEDESTRES

PARAR OS CARROS DA AVENIDA
COM O CONTROLE REMOTO
PESCAR DISCOS-VOADORES
NOS FIOS DE ALTA-TENSÃO

MEDIR A DIREÇÃO DO VENTO
PELO HUMOR DE UMA MULHER
ATRAVESSAR COM ELA O PACÍFICO
NAS ASAS DE UM ALBATROZ

CONTER UMA DOR ATROZ
COM INFUSÃO DE RAÍZES E SONHOS
DISSIPAR PESADELOS MEDONHOS
AO SOM DOS NOVOS BAIANOS

DANÇAR SOBRE AS TEMPESTADES
COMO UM CARNAVAL AFLITO
MERGULHAR NUMA MULHER
COMO UM SOL NUM CÉU SELVAGEM

Ilustração: Renè Magritte.

sábado, 25 de setembro de 2010

SEM PESAR

(Edson Leão)
Quando o domingo chega
Olhos anti-doping
Acordam o espelho
E você diz: fudeu!
Mais uma semana
Após semana
Que bunda!
Domingo
É a véspera da segunda
E afunda a dita no sofá
Vendo a TV evaporar
E não tem nada
E você paga
Tantos canais
Pra esquecer
Que não tem nada
De você
Tão interessante pra lembrar

E a tarde vai chegar
E tem alguém legal
Pra encontrar
Mas falta você
E o lugar
Então é ir rezar
No shopping
Pois esse é o lugar
Do doping
Melhor pra se orar
A seita que aceita
Cartão, cheque
E de preferência espécie
E esse é o nome que te une
Aos outros que estão por lá
E aí dá pra esquecer
Você
Que aliás
Quem era mesmo pra ser?
Pague, pegue e pare de pensar
Sem pesar
Sem pesar...

NAS REVISTAS DO DENTISTA

(Edson Leão)
À prazo, lê a minha vista
Não compro novos desperdícios
Estou de fora dessa pista
Nem vendo a alma por glamour

Estive à venda pelas ruas
Desci do céu de elevador
Apago fogo com a saliva
Ateio à sede meu sabor

Catei fortunas na sarjeta
Dancei geleiras, fome e amor
Parti com a mão o pão da mesa
Desato o nó de cada ator

Bebi mansões no sol das bancas
Decifro os santos de outro andor
Li nas revistas do dentista
Um novo céu desmoronou

ANOS 80 – CULTURA E PROCURA



ANOS 80 – CULTURA E PROCURA
(pseudo-memorialismo cultural em flashs)


Loucura e Procura
(Edson Leão)

A cultura
Cambaleia
Entre a loucura
E a procura...
Dessa vida
Ambas perseguem
A cura...

John Lennon
Ficaram marcas de sangue
Na maçaneta da década

Rádio Fluminense, 1982

Subi no telhado
Para sintonizar o rádio
E esbarrei na Maldita.
Num descuido
Me liguei na vida.

Como diria Arnaldo

Do topo da casa
JF espera
Com seu silêncio fumegante
Com seus carros hesitantes
E suas ondas de frio
Arrepiando o sol da tarde.
Cachorros e maritacas
Dão o toque de um rock
“Mas não há ninguém no meu quintal”.

Desejo pop

A química da menina veneno
Não me deixa neurônios pra física

Fim do mundo no olho dus ôto é refresco
(mais uma tarde em 82)

Falam sobre o mundo acabar
Sobre o hálito de mísseis
Roendo a dor das cidades
Falam da alienação
De uma geração
Parida a golpes de farda
Falam dos zeros da nota
Falam do preço da carne
E eu penso no quanto ela é fraca
E se aquela transa ainda rola
Antes dessa merda acabar



Na noite em que Tancredo morreu
(sobre niilistas e anarquia)


Na noite em que Tancredo morreu
O rock parou bem mais cedo
Não deu pra entender o sentido
Pra nós o país que era medo
Já tinha morrido faz tempo

Engajamento

Era procurar algum “ismo”
E tatear escondido
O corpo da revolução

Alienação?

Chegou atrasado ao comício
Restava arrombar a festa
Despir farsas e corpos
Antes da AIDS chegar...

No future

Punks flagelam a placidez da face
Do submerso calçadão da Halfeld
A princesa acorrentada de Minas
Rasga em seu corpo alfinetes
Ateia fogo ao circo
E picha um “A” com gilete
No vestido angelical-debutante
Dançando um pogo no asfalto

Nicoline*

O olho à flor da lente
Arrepia a pele do futuro
O silêncio da foto grita

* Dedicada ao fotografo Humberto Nicole, responsável por alguns dos melhores registros do período.

Psicodelia engajada

Marx tomava chá de trombeta
E via escolas de samba
Entoando a Internacional Comunista

Varal de poesia

A poesia se estica
De um lado a outro da rotina
Desconcertando os passantes

Glauber no Cine Pornô*

Glauber morreu
E a masturbação do São Luiz
Gozou com a Idade da Terra

* Homenagem à mostra de filmes de Glauber Rocha realizada no Cine São Luiz com entrada franca no início dos anos 80.

Terra em Transe

Filósofos de butiquim
Santos psicodélicos
Musas bicho-grilo
Anjos em umbrais
A chave da cidade
Guardada a sete chaves
E os filmes do Carriço
Sendo atirados no rio...

Lanterna dos Afogados II

Pensaram que ia andar sobre as águas
Mais era o chá de trombeta
E a vida sem vez pra milagres

Medicina Natural

“Não se pode abrir os corpos
Sem quebrar a harmonia
Dos órgãos pulsando num todo” -
Voz rouca encharcada em xarope
De um sábio alucinando presságios

Dark

Apelidaram nossa depressão de modismo
Mas era só a vertigem de andar à beira do abismo...

1989

Cazuza não foi à lua
Pedir um chá de ideologia.
Finda a guerra fria
Sonhos queimam
Na fogueira dos 90.

Fim?

O fim é só o descanso do ser
Talvez numa gaveta tudo espere
E a vida possa dançar
Até o dia nascer feliz


Epitáfio (Ou não...)

Fica o dito pelo não dito
O fato é consumado
Tudo está consumido

Foto: Vietnão, por Humberto Nicoline.

Bem mais que uma costela


(Edson Leão)
Vulto que se despe
Na janela do desejo
Bem mais que uma costela
Fino fruto, fim da criação
Razão primeira de uma canção

Na tela de tantos filmes
Na sede do céu de um beijo
A face oculta da maçã
Abrir de pernas
Que engendra mundos
Luz e perfume
Loucura pura
Loucura sã

Bater de portas
Que dá vida a furacões
Sonhos que pulsam nas gavetas
Nos poemas, nas canções
Outra lua
Pele nua
Labirinto
Voz do instinto
Fio que decifra a trilha
Que me ensina a crescer

Imagem: René Magritte.