segunda-feira, 24 de março de 2008

Mergulho


(Edson Leão)

Na esquina da Rio Branco com a Halfeld
Prendo a respiração e mergulho
A multidão me engole
Lanço preces do fundo do mar
Qual deus irá escutar?
Sou o ancião da tarde
Minhas vozes foram dilaceradas
Mil retalhos se espalham
Sobre as pedras do calçadão
Das cordas, arranco histórias
A mão negra recolhe as moedas
Que o descaso deposita no chão
Sou o artesão contorcendo fios
Dando formas, tecendo avisos
Dou um riso pra quem me estranha e olha
“Quê isso mê’rmão? Quanta pressa”
A cidade segue a corrosão de seus dias
Sou o louco que há milênios coça a barba
Encostado num canteiro em frente à uma loja
Rindo de tudo e de todos
Pensando na insanidade do jogo
E balbuciando num dialeto ancestral:
“Quê isso mê’rmão? Quanta pressa!”
E a esteira rolante não para
Leva rebanho, traz rebanho
“Êh! Boiada estranha, usando tênis da moda!”
“Êh! Boi cansado, solado gasto de num achá trabaio!”
“Êh! Boi de sapato e gravata! Corre não, que cê vai morrê mais cedo!”
“Êh! Boi de pé inchado, arrasta os bizerrin pelas mão!”
“Êh! Boi que olha as vaca! Mastiga o chiclete, mas num baba não!”
Sou a barriga de tédio que toma chope depois do trabalho
Sou o baralho de pernas que vem e vai
Sou as Lojas Americanas com uma “promoção sensacional para o dia das mães”!
Sou o Cine Central de skate, coturno e moicano
Sou o CD pirata no acelerar do “corre que a polícia evêm!”
Sou os velhos vinis voltando à vida
Sou as galerias, as galerias, sempre as galerias
Desde tempos imemoriais, as galerias
Antes de nascer a cidade, as galerias
Portais interdimensionais, as galerias
Ligando JF a Machu Pichu, as galerias
Entre o passado e o futuro, as galerias
Submersas na escuridão, as galerias
Ligando o calçadão a Copacabana, as galerias
Abrindo um estranho vazio em meu coração, as galerias
(Memória, memória, memória... porque tanta dor e poesia?)
Entre o céu e o inferno, as galerias
Depois do apocalipse as galerias
Até quase chegar na Batista de Oliveira, as galerias
No começo de um novo mundo, as galerias...

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