quinta-feira, 12 de setembro de 2013

BOI LARANJA

(EDSON LEÃO)
Montado na Mulinha
Mágica cavalgadura de pano
Conduzo o Boi Laranja*
Sobre o negrume do ribeirão do Grama
Pela trama da noite do tempo
Ouvindo o murmurar das águas
Palavras dos que se foram
E dos que virão
Pois que creio na eternidade
No profano sagrado que habita o verso
Portal por onde escoa
Esse não desvendar de nada
Mas que acalma em mim
A sede de infinito
Cavalgo a solidão de um rio
Esse desenrolar de encontros
De chegadas e partidas
Passando como a Procissão da Paixão
Vista pelos olhos assustados de um menino
Ao ver nas chagas e no sangue de um Deus
Com quanta dor e terror se constrói um mundo
E no fundo de um quintal do tempo
Navegar o riso de festas pretéritas
E as gargalhadas de brindes futuros
Pois que à poesia tudo é transitório e perpétuo
Tudo que escoa, aqui está
Como a lembrança do meu avô na venda
Ou ouvindo na escuridão da casa, o rádio
Ou meu pai tocando seu pandeiro e rindo
E eu sumindo no meio de tudo
Para somente me tornar canção
Um leve fio de voz
Que se perde na imensidão do espaço
Como as velas da procissão passando
E conduzindo o Nosso Senhor dos Passos...

*Mulinha e Boi Laranja - Manifestações folclóricas similares ao Bumba Meu Boi (creio eu) da cidade dos meus avós, Santo Antônio do Grama. Na minha infância quem cuidava do Boi Laranja e da Mulinha era meu Tio, Vicente Leão, e a Mulinha e o Boi ficavam guardados durante o ano, na casa do meu avô que tinha uma daquelas vendas antigas (tipo cenário do programa do Rolando Boldrin). Ver aquelas figuras inanimadas esperando ganhar vida, me passava um quê de mistério insondável , como a dúvida sobre o que haveria depois da escuridão do ribeirão à noite, ou sobre o lamento da multidão conduzindo o corpo martirizado do Senhor dos Passos... mistérios que talvez ainda persistam em algum ponto do meu espírito, lançando ainda angustiantes perguntas sobre a transitoriedade e eternidade da condição humana, “a dor e a delícia de ser o que é”...

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