terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ROLEZINHO – A DISTOPIA

                                   (Edson Leão Ferenzini)
      Já que utopias não valem... são idéias (com acento) anacrônicas de esquerdistas ultrapassados, na contramão do mercado, vamos à uma “distopia”:
Num futuro próximo, os shoppings se convertem em perfeitos abrigos nucleares. Uma abóbada elaborada por cientistas e técnicos de grandes corporações (possivelmente umas quatro no máximo que dominam diferentes áreas de produção e serviços) - protege completamente esses locais de quaisquer influencias de radiações, poluentes e afins.
Os “bons consumidores” (já não chamados de cidadãos) têm suas residências conectadas diretamente aos shoppings por uma rede de túneis, e estas são condomínios fechados e igualmente protegidos, com todas as condições necessárias à vida e lazer – incluindo para os filhos, clubes, playgrounds e undergrounds – sim, espaços pré-planejados para atender aos jovens que guardem algum ranço da rebeldia patológica de gerações passadas.
Para evitar riscos, uma liminar, ou melhor, um projeto que se torna emenda constitucional através de dignos representantes "legitimamente" eleitos através de campanhas bem financiadas, para representar os “bons consumidores” e os executivos que representam os interesses das grandes corporações (que atuam nos shoppings e regem toda a vida social) autoriza o uso de armas nucleares para purificar as áreas periféricas dos centros urbanos, habitadas por seres que se demonstraram "congenitamente" incapazes para se tornarem “bons consumidores”.
A paz social retorna...
Ou não...? Estranhas criaturas mutantes sobrevivem ao projeto higienizador. Começam a transitar pelas ruínas das antigas periferias, e a se organizar...
O narrador da história, um andróide resultado de uma absurda experiência que o dotou de anacrônicos pensamentos e sentimentos humanos, superados há tempos pelos progressos da genética, e da indústria de psicofármacos, escreve antigas estórias sobre jovens desajustados, rebeldes e românticos que tentavam mudar o mundo. Em um velho computador do segundo decênio do século XXI ele escreve, e, enquanto escreve, ouve velhos arquivos musicais do início do século XX, de Orlando Silva, Sílvio Caldas, modinhas de Catulo da Paixão Cearense. ... Enquanto um grupo de mutantes prepara um “rolezinho”, inspirado em antigos movimentos subversivos, ele ouve comovido os versos da canção: “Nunca mais um verso meu veras/ nunca mais/ oh, nunca mais/ jurei matar esta cruel paixão fatal que tem feito tanto mal...”*...
* Documentário Paraguassu parte I (1974). Gravação original da Fundação Padre Anchieta. Programa MPB Especial, dirigido por Fernando Faro.
http://www.youtube.com/watch?v=xrjvNEp3CT4&list=PL5BD9D0F7E42B9C7E

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