(Edson Leão Ferenzini)
Já que
utopias não valem... são idéias (com acento) anacrônicas de esquerdistas
ultrapassados, na contramão do mercado, vamos à uma “distopia”:
Num futuro próximo, os shoppings se convertem em perfeitos abrigos nucleares. Uma abóbada elaborada
por cientistas e técnicos de grandes corporações (possivelmente umas quatro no
máximo que dominam diferentes áreas de produção e serviços) - protege
completamente esses locais de quaisquer influencias de radiações, poluentes e
afins.
Os “bons consumidores” (já não chamados de
cidadãos) têm suas residências conectadas diretamente aos shoppings por uma
rede de túneis, e estas são condomínios fechados e igualmente protegidos, com
todas as condições necessárias à vida e lazer – incluindo para os filhos,
clubes, playgrounds e undergrounds – sim, espaços pré-planejados para atender
aos jovens que guardem algum ranço da rebeldia patológica de gerações passadas.
Para evitar riscos, uma liminar, ou melhor, um
projeto que se torna emenda constitucional através de dignos representantes
"legitimamente" eleitos através de campanhas bem financiadas, para
representar os “bons consumidores” e os executivos que representam os
interesses das grandes corporações (que atuam nos shoppings e regem toda a vida
social) autoriza o uso de armas nucleares para purificar as áreas periféricas
dos centros urbanos, habitadas por seres que se demonstraram
"congenitamente" incapazes para se tornarem “bons consumidores”.
A paz social retorna...
Ou não...? Estranhas criaturas mutantes sobrevivem
ao projeto higienizador. Começam a transitar pelas ruínas das antigas
periferias, e a se organizar...
O narrador da história, um andróide resultado de
uma absurda experiência que o dotou de anacrônicos pensamentos e sentimentos
humanos, superados há tempos pelos progressos da genética, e da indústria de
psicofármacos, escreve antigas estórias sobre jovens desajustados, rebeldes e
românticos que tentavam mudar o mundo. Em um velho computador do segundo
decênio do século XXI ele escreve, e, enquanto escreve, ouve velhos arquivos
musicais do início do século XX, de Orlando Silva, Sílvio Caldas, modinhas de
Catulo da Paixão Cearense. ... Enquanto um grupo de mutantes prepara um
“rolezinho”, inspirado em antigos movimentos subversivos, ele ouve comovido os
versos da canção: “Nunca mais um verso meu veras/ nunca mais/ oh, nunca mais/
jurei matar esta cruel paixão fatal que tem feito tanto mal...”*...
* Documentário Paraguassu parte I (1974). Gravação
original da Fundação Padre Anchieta. Programa MPB Especial, dirigido por
Fernando Faro.
http://www.youtube.com/watch?v=xrjvNEp3CT4&list=PL5BD9D0F7E42B9C7E
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
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