quinta-feira, 31 de julho de 2014

ANÚNCIO

Procura-se Quixotes
Pois de moinhos
O mundo está cheio!
Pré-requisitos:
Habilidade para desmontar idéias emperradas
E manusear ferramentas impalpáveis
Não é necessário experiência
Embora
Se você se interessou por nosso anúncio
Alguma você já deve ter
Ainda que não saiba...

(Edson Leão)

sexta-feira, 11 de julho de 2014

HOMERO, O BUROCRATA

Assinava documentos
Como quem escreve sonetos
Ao menos acreditava nisso
Do alto do escritório
Vendo pela janela
Entre um papel e outro
O sol desenhar a tarde
Como sua adiada poesia
Sonhava alguns segundos
Aquele sol
Visto da varanda
Da casa de praia comprada
No quando da aposentadoria
Um dia um deus sem assunto
Roubou-lhe a visão e a poesia.
Tempos depois
Como o trânsito na avenida
Lá embaixo
Que vez em quando observava
Entre a fumaça do café e o cigarro
O sangue lhe engasgou nas artérias
Ficou para história o poeta
Que nunca deu ao mundo uma poesia.
(Edson Leão)



ORFEU, O SERESTEIRO

Compunha marchas-rancho
Saudosas como cadeiras de palhinha
A velha vitrola
E os discos de Orlando Silva
Leitor ocultista
Compôs um samba-canção
Que acreditava
Ressuscitaria os amigos mortos
E aquela paixão de juventude
Mas o coração tropeçou
Numa rima da terceira estrofe
Momentos antes do refrão
Em tempo hábil para os herdeiros
Poderem aceitar a proposta
Oferecida pela construtora
Que em menos de um mês
Pôs no chão
As memórias
E os sonhos
Que habitavam seu velho sobrado...

(Edson Leão)

DEMIURGO, O ANDARILHO

Como andarilho
Aprendeu que a rota do mundo se alterava
Se ao acordar na calçada
Decidia caminhar para esse ou aquele ponto cardeal
Num descuido atirou uma binga de cigarro
Com a brasa ainda acesa no rio
Foi assim que veio a grande seca
E a onda de calor
Que os bispos chamaram apocalipse
Os jornais jamais saberiam
O peso
Que os furos de seus sapatos cabiam
Apenas sua família
Quando batia
Até ele querer fugir dessa vida
E dizia
“Esse menino parece que tem o diabo nas tripa”
O engraçado é que ele só sentia
Era a mesma velha barriga vazia...

(Edson Leão)

SÍSIFO, O SAMBA-CANÇÃO

Nunca carregava guarda-chuvas
Assim provocava inundações
E lá iam de novo sonhos
E escombros de sentimentos
Na enxurrada
Sambando
Ladeira abaixo...

(Edson Leão)