sexta-feira, 30 de maio de 2014

MISTÉRIO

Estranho óleo
Cai nas engrenagens do mundo
A ele chamam noite
Escorre sobre prédios
Mancha os rostos 
As carnes
A sede
A fome
O desejo...
Unta
Besunta
Azeita
Até a lua se curva
E vem buscar as marés
Nossas entranhas virando lobos
Lobas
Labirintos
De hormônios
Sentimento
Sonho...
Chamam noite
A mordida a escorrer da polpa
Do misterioso negro fruto do cosmos
Essa criança sagrada
Pressentindo a luz
Que nos contorcemos tentando inventar
Buscando em outros olhos
A vaga emanação das estrelas...
(Edson Leão)

ASTROLOGIA

elemento ar
pode ser vento
desdobrar furacões
ou em silêncio
evaporar...
(Edson Leão)

TERRORISMO

Testamento: 
Entrego meu cérebro
sem dor
e ao molho tártaro
à a(tara)antada fome da ciência
contendo à contento
à torto e à esquerdo
um tanto de dor
e de divertimento
enfim, em secreto
tudo que celebro
coquetel molotov
de irracionalidade e poesia
dispositivo programado
à prova de pavlov
palmolive ou detergentes
elaborados para lavagens tenebrais
regado a azeite de oliva
por certo, nem tão livre
quanto em vida o queria
mas pronto a ser detonado
ao mínimo toque
no nervo da inspiração
ou de outra piração...
ou não...
tenho dito...
mas...
por hora...
vamos à vida então
e os doutores
que aguarderm
deve demorar a explosão...
(Edson Ferenzini - para poupar a rima em "ão")

quarta-feira, 21 de maio de 2014

A QUEDA

(O Videoclip)
I
Sou detrito de um tempo
Anjo-meteoro
Caído num beco
Ao acordar
O som de um rock new wave
Flutua de uma janela
A garota dança
Em frente ao espelho
Sua sombra se expande
E da parede, ganha a cidade
Adolescentes drogados
Batem minha carteira
Me admiro que tivesse uma
Me espanto
Que soubesse o que é uma
Minha primeira noite sobre a terra
Ouvindo Missing Persons
Em algum subúrbio do mundo
E já dancei na carteira
Podia ser super-herói
Treinado em artes-marciais
Mas tinha que ser um anjo tonto
Ou um ET apatetado
Caído de uma nave cambeta
Num clip da MTV
De alguma banda dos anos 80
A luz do poste deixa ver meu rosto
Distorcido numa poça do chão
Uso um cabelo idiota
Tenho cara de espanto
Não é sempre que acordo
Sem mesmo saber quem eu sou
Posso ser um espião russo
Ou personagem de uma canção do Bowie
Caminho cambaleando na paisagem
Minha sombra se expande no asfalto
Como quem quer se perder na cidade
Minha primeira noite sobre a terra
E não sei da missa a metade
Pergunto onde estou, para o homem do táxi
Ele me diz: “Onde vai experimentar a verdade”
Não dou a mínima
Bato a carteira de um cara
Corro e me escondo num bar
No som
O Clash grita “Shold I stay or shold I go”
E eu sei que não tenho opção
Pago um trago com o dinheiro roubado
Troco idéia com uma garota
Sem saber o que falo
Pouco importa
Ela ta mais doida que eu
Acordo no seu apartamento
Após varias doses, comprimidos, carreiras... sei lá
Olho o sol nascendo entre os prédios
Não sei o que faço aqui
Só sei que cheguei pra ficar
Ligo um som do Tom Waits
Fumo um cigarro
Sem saber pra que serve fumar
Acho que começo a gostar disso aqui
Sem saber o que é tudo isso afinal
Olho a garota dormindo
Olho as pessoas lá embaixo
Percebo que não sou o único
Começo a gostar do lugar...

II
...a garota acorda com rosto de droga
Me manda embora
Me oferece um café
Não é por nada
Mas não encara outro cara
Que não sabe quem é
De dançada em sua vida
Já basta ela mesma
Me leva até a porta
Deixa um beijo
E me indica o metrô
Bato os pés na rua cheia
O sol doendo o olho
Desço as escadas
No metrô
Compro
Parto pra qualquer lugar
O nome mais sonoro
Pessoas amontoadas
Parecem sem vida
Rio sozinho
Pensando
Que sou o único
De pé naquele vagão
Que sabe
Que não sabe quem é
Desço
Subo as escadas
O dia fere de novo
Uma praça
Pessoas vendendo
Pessoas comprando
Uma banca de jornais
Guerra das Malvinas
Discussões nucleares
Um ídolo pop e seus milhões
A URSS e o mal
Estudam uma nova doença
Nada que explique muita coisa
Nada que diga quem sou
Sigo pela rua
Cartazes nos cinemas
“A chilling, bold, mesmerizing , futuristic detetive thriller”
“His adventure on hearth”… “E.T. The Extra-terrestrial”
Imagens… palavras… pra quê?
Lembro de filmes
Quando alguém acorda em outro tempo
Ou dentro de um filme
Mas não é isso aqui
Isso é videoclip
Sei pela velocidade
Mas não sei como sei
Nem como lembro do que sei
E pra dizer a verdade não importa
Converso com outra garota
Ela pode me arrumar droga
Mas me vende um ingresso
Pro show de uma banda de rock
Estou na beira do palco
Uma banda de visual new romantic
Com um cantor que imita Adam Ant
Som alto
Me interessa achar uma bebida
Transo no beco ao lado do bar
Com a garota que tinha umas paradas
É madrugada
A lua parece o aviso do Batman
Sobre os prédios de Gotham City
Lembro Bauhaus num filme do Bowie
Será isso um jogo ou uma jaula?
A garota se despede de mim
Sem nome, telefone ou talvez
Aguardo os próximos frames
Passo na porta de um cinema fechado
Ignoro o mendigo entre jornais
Enquadram meu perfil
Enquanto vejo o cartaz de Tron
Seria um game esse videoclip?
Pouco importa
Entro de penetra
Uma festa high society de yuppies
Não sei como parei por aqui
Mas tem bebida
E pessoas que me fazem rir
Não por que sejam engraçadas
Mas por seu esforço
Em aparecer bem na fita
Quanto mais bebem
Mais parecem comédia
Caricaturas em roupas de grife
Realmente isso é um videoclip
Parece ambientado em 80
Mas pode ser de depois
Leitura da leitura das leituras de quem não estava lá
Não importa
O único a fazer é seguir
Brigo com o garçon
Penso que estou no Hair
Subo na mesa
Mas lembro que estou noutra década
O melhor é quebrar o lugar e fugir
Topo com Skin heads na calçada
O pau vai quebrar e estou ali
Um grupo de punks sai de um beco
Sem pensar, já sei que lado escolhi
Não tem coreografia
Isso não é Michael Jackson
A quebradeira é real
Já senti
Não importa
Não sei mesmo o que acontece
Se por acaso eu morrer por aqui...
III
A polícia chega
Os bandos se dispersam
Sigo os punks
Até um prédio antigo
Num salão pintado de branco e preto
Um jovem travestido de Boy George
Cuida dos feridos
Sentados em silêncio no chão
Grupos de adolescentes
Percebo ser uma seita
Olhando um telão em branco
Aguardam o pronunciamento do guru
A luz se apaga e a imagem robótica
Do rosto de David Bowie
Anúncia que Deus está morto
Desisto daquela bobagem
Busco um lugar pra beber mais um pouco
Seria Deus o diretor desse clip?
Começo a me preocupar
Com a possibilidade
De estar mergulhado num fluxo sem rumo
Dura pouco essa estupidez filosófica
Encontro outro bar...
Enquanto bebo
Um pensamento me perturba
"Será que David Lynch dirigia videoclips?"
Essa idéia verdadeiramente me perturba
Peço mais uma dose...
...
...
"Seria Deus David Lynch"?...

(Edson Leão)

NENHUMA POESIA

(Bilhete a Drummond)
Se tiver uma pedra
No meio do caminho
Começam o linchamento
Tirando a vida
Das retinas fatigadas
Neste país
Onde é proibido sonhar
(Edson Leão)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

SONS PARA OUTONOS CHUVOSOS

All you need is love
Na vitrola
E a chuva
Lá fora
Imola
O sentimento da noite
Açoite de outono
Ou o tom do tempo
Tangendo a gente
Pra longe
Pra perto
Átomos
Sentimentos
Adornos de dor
De prazer
De canção
Contas de vida
De vidro
De dúvida
De dádivas
No colo
De uma divindade
Ou no cosmos
Da eternidade
Do agora
Que é talvez
Um será?
Só sei que nada achei
Sem filosofias
Filo as linhas do som
Dos filhos de Liverpool
E enquanto nada novo em mim
Explode
Penso que é hora
De voltar ao velho Floyd
(Edson Leão)

FIM DE FESTA

(Da série “Poesia Auto-ajuda”)
Um dia
feito bola de aniversário
Em mão de criança
Que brinca em fim de festa
De mim
Vai fugir todo o sopro
Esse pouco, esse muito
Que hoje anima
O que em mim
Chamam corpo
O que em mim
Dizem vida

Não sei
Se realmente
Estarei morto
Ou apenas
Partindo em viagem
Para algum novo porto

Só sei que
Role o que rolar
Tudo o que de ilusão me percebo
Como uma voz
Depois de um breve ecoar
Feito um estranho e lúdico segredo
Terá sumido no ar
Talvez por isso mesmo
Por hora
Apenas canto
Pra esperar essa hora
Sem medo
Nem pressa
No tempo
No momento
No vento...
(Edson Leão)