domingo, 19 de janeiro de 2014

URBANO

(Edson Leão)
Hoje acordei pedra
Asfalto espetado na barba
Grafite a navalha na carne
Não senti nada.
Cara de concreto
O espelho, de outdoor
Delatando as vidraças do olho
O acrílico da lágrima
Alma lavada na pia
No Paraibuna
(“Um cavaleiro marginal”)
Saliva de óleo diesel
Língua corroída
Voz de britadeira
No café de amanhã
Sem bom dia
Sem bondes
Não sou Bond, James Bond
Talvez 00 à esquerda
Na placa: “proibido dobrar”...
Fôlego exalando fumaça
Tô urbano
Demasiadamente
Urbano
Sem aeroplanos pro futuro
Nem pro passado
Não há teto para decolagens
Um rolo compressor no presente
O anel que tu me deste
Nessa avenida
Que mandaram ladrilhar
Desabou.
Hoje acordei implosão
Edifícios que caem
Viadutos em vôo
Sobre as capivaras do silencio
Perplexas
Ante as buzinas dos carros.
Sou o arroto de um anjo
Um escarro do diabo
Do confronto
Nasce outra cidade
Em escombros...


(ARTE)FI(CTÍ)CIOS

Te enganei
De ovo
Na casca
Do novo


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A LENDA


  • (Edson Leão)
    Tem muita fome
    Nessa cidade
    Dizem que é assim
    Desde a antiguidade
    E muito lugar
    Onde se bebe
    E muito lugar
    Onde se come
    Cada qual com sua placa
    Cada qual com seu nome
    Destacados na paisagem
    Incrustados na engrenagem...
    Mas tem um lugar
    Que não se vê
    Nem em foto
    Nem miragem
    Que nem sequer
    Tem um nome
    Nem banheiro
    Nem garagem
    Nem maquete
    Nem saudade
    Deve ser por isso
    Que o dito sítio
    Até hoje
    Não foi visto
    Pois até hoje
    Não existe
    Senão na viagem
    Senão no mito
    Um lugar ...
    Um lugar esquisito
    De quem não aceita
    Que a vida
    É esse ser
    Tão triste
    Um lugar
    Onde além
    De beber e comer
    Também se vive...
    Dizem que
    Quem procura por ele
    Some
    Na eletricidade
    Do olho do tempo
     A caminhar
    Sobre um rio
    Sem viaduto
    Sem ponte
    E cuja água
    É um sorriso
    No sonho
    De um deus
    Que se esconde
    Num canto
    Da alma
    De quem
    Ainda ousa
    Sonhar
    Estar vivo...

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

ROLEZINHO – A DISTOPIA

                                   (Edson Leão Ferenzini)
      Já que utopias não valem... são idéias (com acento) anacrônicas de esquerdistas ultrapassados, na contramão do mercado, vamos à uma “distopia”:
Num futuro próximo, os shoppings se convertem em perfeitos abrigos nucleares. Uma abóbada elaborada por cientistas e técnicos de grandes corporações (possivelmente umas quatro no máximo que dominam diferentes áreas de produção e serviços) - protege completamente esses locais de quaisquer influencias de radiações, poluentes e afins.
Os “bons consumidores” (já não chamados de cidadãos) têm suas residências conectadas diretamente aos shoppings por uma rede de túneis, e estas são condomínios fechados e igualmente protegidos, com todas as condições necessárias à vida e lazer – incluindo para os filhos, clubes, playgrounds e undergrounds – sim, espaços pré-planejados para atender aos jovens que guardem algum ranço da rebeldia patológica de gerações passadas.
Para evitar riscos, uma liminar, ou melhor, um projeto que se torna emenda constitucional através de dignos representantes "legitimamente" eleitos através de campanhas bem financiadas, para representar os “bons consumidores” e os executivos que representam os interesses das grandes corporações (que atuam nos shoppings e regem toda a vida social) autoriza o uso de armas nucleares para purificar as áreas periféricas dos centros urbanos, habitadas por seres que se demonstraram "congenitamente" incapazes para se tornarem “bons consumidores”.
A paz social retorna...
Ou não...? Estranhas criaturas mutantes sobrevivem ao projeto higienizador. Começam a transitar pelas ruínas das antigas periferias, e a se organizar...
O narrador da história, um andróide resultado de uma absurda experiência que o dotou de anacrônicos pensamentos e sentimentos humanos, superados há tempos pelos progressos da genética, e da indústria de psicofármacos, escreve antigas estórias sobre jovens desajustados, rebeldes e românticos que tentavam mudar o mundo. Em um velho computador do segundo decênio do século XXI ele escreve, e, enquanto escreve, ouve velhos arquivos musicais do início do século XX, de Orlando Silva, Sílvio Caldas, modinhas de Catulo da Paixão Cearense. ... Enquanto um grupo de mutantes prepara um “rolezinho”, inspirado em antigos movimentos subversivos, ele ouve comovido os versos da canção: “Nunca mais um verso meu veras/ nunca mais/ oh, nunca mais/ jurei matar esta cruel paixão fatal que tem feito tanto mal...”*...
* Documentário Paraguassu parte I (1974). Gravação original da Fundação Padre Anchieta. Programa MPB Especial, dirigido por Fernando Faro.
http://www.youtube.com/watch?v=xrjvNEp3CT4&list=PL5BD9D0F7E42B9C7E

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A MÁQUINA DE DESACELERAR O TEMPO

SEGUE ABAIXO O TEXTO DE UMA NOVA CANÇÃO SOBRE UM RELOJOEIRO QUE, PREVENDO O ACELERAR DO TEMPO LEGOU ÀS GERAÇÕES FUTURAS UMA INVENÇÃO, UM VIOLÃO CAPAZ DE DESACELERAR O TEMPO. A IDÉIA DA CANÇÃO INSPIROU UM POEMA EM CORDEL DE kADU MAUAD (COM MINHA AUTORIZAÇÃO) QUE ENCONTRADO NO FACE POR THIAGO MIRANDA ACABOU TAMBÉM VIRANDO CANÇÃO E ESPERAMOS QUE ESSE SEJA O INÍCIO DE UMA OPERETA rsrsrsrsr: 

O VIOLÃO DO VÔ
(Edson Leão e Bruno Tuler)
06/01/2014
Depois que arrancamos
Os ponteiros do relógio
O tempo parece que se revoltou
Como setas disparando
Veloz contra nós
Bêbado
Ao volante
Ele acelerou
O violão do vô
É só o que sobrou
A máquina do som
De uma velha oficina
O violão do vô
Um gênio projetou
E o pêndulo voltou
A sutileza da vida
Cadeiras na esquina
Sem pressa ao pôr-do-sol
Munidos de velhos relógios de bolso
E mil gramophones
Valsando num coro...

Blues d'algibeira!

Era uma vez um relógio
que seus ponteiros perdera
o tempo se transformou
numa cruel britadeira
rápida a vida ficou
que até me dava tonteira

As engrenagens e molas
foram parar na lixeira
o tempo se triturou
dentro da minha moleira
indo veloz pela fábrica
que me causava leseira

Após um tempo lá em casa
apareceu no porão
um violão que alterava
e o tempo ficava tão
mas tão devagar que quase
parava o meu coração

Foi meu avô que inventou
essa engenhoca maneira
que põe o tempo no slow
ao balançar da cadeira
pra ver a vida passar
eu tiro o blues d’algibeira

Por Kadu Mauad e Thiago Miranda em 07/01/2014.
Kadu Mauad, Thiago Miranda, Bruno Tuler Perrone.
Agradecimentos especiais, à Roberta Do Carmo, que realmente nos emprestou o violão que foi do seu avô e que foi a inspiração de toda a ideia.