segunda-feira, 26 de setembro de 2011

TANGOS

(Edson Leão)

Tangos de línguas em silêncio
Não por amores partidos
Não pela lua vermelha
Não pela luz de uma rua
Não pelo frio do céu

Tangos de vidas perdidas
Ao peso de tempos sombrios
Tangos de frias cadeias
Tangos da carne encharcada
Tangos de bocas fechadas
Tangos que doem na alma

Tangos, somente tangos
Na espera das mães de maio
No dia que não tem atalho
E tarda qual nota suspensa
No corte de um bandonéon

JUDEU ERRANTE

(Edson Leão)

Às vezes caminho por meio mundo
Os olhos gastos de maravilha e miséria

Sou o judeu errante
Aquele sem pátria ou tempo
O homem ilha
Esperando outro vôo pra lua
No aeroporto da solidão
Sem bagagem
O sábio tolo
Tocando um blues no metrô

Meu corpo é uma prisão
Minha alma é uma viagem
Saltando cordilheiras
E abismos profundos

Homero cego
Tateando miragens
E olhando as pernas
Das musas que atiram trocados

Dizem que eu poderia até mudar o mundo
Mas hoje isso não me interessa
Me paga um trago
Que eu te devolvo em canção...

NADA A SER DITO

(Edson Leão)
O capacete guia a moto
E me cumprimenta
Desvio do hidrante
Esbarro na bolsa da menina
Ela não pensa que sou ladrão
O sol no topo da cabeça
O parque Halfeld
Caminha pelo Centro
Arrastado pelos cavalos
Adestrados por Portinari
A última Escola
Do último desfile
De 1979
Salta de um bueiro

Caos no trânsito às três da tarde

O Imperador aplaude
Mas ele nunca dormiu
No casarão do Grupo Central
Um orelhão toca
O velho atende
Do outro lado soa
Em notas trêmulas
A melodia persistente
Da Internacional Comunista

Quem incendiou a replica do King Kong?

Sob a chuva de canivetes
E a espuma da velha fonte
Os cães da polícia avançam
E as crianças não fogem
Mordem as botas ensangüentadas
Como num açougue medieval

Um orelhão toca
O velho atende
Do outro lado soa
Em notas distorcidas
A gargalhada cínica de um punk rock

De um rasgo na Getúlio Vargas
Saltam mulheres
Murilo lê manchetes
Enquanto a banca de jornais
Atravessa a avenida de lado a lado
Ele apenas estranha
Não haver mais ali
Um momentâneo ringue de boxe

Mas as árvores choram
E os fiéis colhem o fluido
Munidos de algodões e velas
Será a primeira noite
Do primeiro eclipse do tempo
Mas o sol se recusa a se por
Os ônibus são tragados para o olho da lua
Não há taxistas no cosmos

Eu tomo um capuchino
E desenho a garçonete
Com a tinta hesitante
Da caneta esferográfica
No guardanapo amarrotado do tempo

Antes da eternidade passar...
O Bar Redentor terá evaporado
Como os miasmas de cerveja
E a fúria dialética de um carnaval
João Cardoso pinta a cena de ouvido
E rascunha um samba no improviso
Transmitido para toda região
Pela antena da PR-B3

No largo do Riachuelo
Um político fala à multidão
Com suásticas agitadas ao vento
A capivara bebe o rio
A mata do Crambeck engole os prédios
Escafandristas recolhem filmes de João Carriço
Entre a lama e páginas de jornais...
A TV Industrial sai do ar
Pedras rolam do Morro do Cristo
Termino o desenho
A garçonete traz a conta
Não há nada a ser dito.

O PLANTADOR DE EDIFÍCIO

(Edson Leão)
O PLANTADOR DE EDIFÍCIO
NÃO OLHA A TERRA
ELE TEM SEDE DE OUTRA GRAMA
QUE MATA O BOI
E PARALISA A FERA

MUUUTROPÓLE*,
DISSERAM UM DIA
E ELA CRESCE
MAS NÃO DIVIDE O QUE MULTIPLICA

VOZ DE PROFETA
VIOLÃO NA CALÇADA
E AS GALERIAS ENGOLINDO A VIDA
BEBIDA NO GARGALO
AGUARDENTE AMARGA
DERRETENDO AS PLACAS

VITRINES FECHADAS
AS PERNAS DAS MENINAS
AS NOITES SEMPRE FRIAS
E A CHUVA QUE MOLHA O VERSO
LACRIMEJANDO AS HORAS
COMO PASSEATA DISPERSADA A PAU

* Alguém em um fanzine nos anos 90 usou esse neologismo para se referir a Juiz de Fora. Até o momento não consegui me lembrar de quem é...

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O PINTOR E A TELA EM BRANCO

(Edson Leão)

Borrei as tintas da palavra
A faca na tela tenta abrir
A passagem falha
Caem edifícios
Mulheres que acordam
Homens sem jasmins
Decorações de campo
Amortecedores de luz
Nada para o branco
A página nua
O sexo à mostra
As pernas abertas
Sugando a inspiração
Os moveis do quarto
Vinis, vestígios
Impressões digitais
Redemoinho
Dvds, e livros
Bagunças no abismo
A censura do espelho
E o julgamento de Deus
Tudo é sorvido
Pelo vazio da tela
Que o computador não imprimiu
Como um gole de café
Que a manhã digeriu...

NO CAMINHO DO BEN

(Edson Leão)
No caminho do Ben,
Mas ainda em Maya,
Vou à pé pela praia
Lembrando a revolução.

E a menina ginga
Na retina do som,
Sem lenço ,
Na dança do vento,
Brincando com os nervos
Do meu coração
Batuque de angola
Na cor de canela

Ê morena!
Quem desenhou
Tua roupa na janela?
Vendo a dona,
O chão da praia,
Mais parece passarela.

E eu não saio do ar
Enquanto ela não sair
Da alma do dia
Da mira do sol.

Ei garota, me dá um beijo!
Tua saliva, teu sal
Tua saída de praia
Teu sol tua tez
Teu calor de dezembro
O teu tesão-carnaval,
Teu segundo
Teu sempre...

Eternidade é assim:
Um quê de sopro ou montanha
Brutalidade e jardim...
Lembra de mim
Como um...
Aquele um que passou
E tatuou um momento
Na voz da tua canção...
Um maluco em teu suco
Uma mosca em tua nuca
Zumbindo frases sem som

Zen do Ben,
Zum zum zazoeira
Um zum-zen e só:
Acabou o chorare
Errare humanum est
Na cá cá cá, na fé fé fé
Fique calada de boa ...
Me deixe mudo sem nó...
E que fique tudo assim...
Pro que der e vier
Nesse dia branco.

Fique tudo lindo...
Pois no fundo e no raso
O silêncio vai fundo
Onde a palavra estancou...

*Colagem pós-tropicalista do Ben, com débitos com o dito cujo, Tim, Science, Chacal, Baianos e alguns Caetanos, Tom (aquele que é Zé), Chico (o que não é Science), Geraldinho (o Azevedo), Walter(o Franco), Milton, Ronaldo Bastos, Mundo Livre e talvez... TOCA RAUL!

Resumindo: Total falta do que dizer...
OU Não...!