segunda-feira, 7 de abril de 2008

Claridade


(Edson Leão)
Esbarrei na claridade
Olhos cambaleiam
A luz é como um filme
Entrando em minhas veias
O prisioneiro volta à vida
A luz perfura a pele
Seu corte é bem-vindo
Esqueço o tribunal
A masmorra
Os velhos manuscritos
O céu visto da cela
E os planos pra uma fuga
As mãos e pernas tremem
A pele cobre os ossos
Mas renasço além das cinzas
No corpo queima a fênix...

Diante da Lei


(Franz Kafka)
Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para
entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar lhe
a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
— "É possível" – diz o guarda. — "Mas não agora!". O guarda afasta-se então
da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro.
Ao ver tal, o guarda ri-se e diz. — "Se tanto te atrai, experimenta entrar,
apesar da minha proibição. Contudo, repara sou forte. E ainda assim sou o
último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de
tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser
acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. mas, ao olhar o guarda envolvido
no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada
e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O
guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco
desviado. Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as
suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando,
pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras
coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes
senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.
O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios
custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: — "Aceito
apenas para que te convenças que nada omitiste". Durante anos seguidos,
quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e
aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à entrada na Lei.
Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao
envelhecer, limita se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao
fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das
peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda.
Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu
redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão,
um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte esta
próxima. Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de
tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao
guarda. Faz lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já
arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a
diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do
campo.
— "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. — "És insaciável". —
"Se todos aspiram a Lei", disse o homem. — "Como é que, durante todos
esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar. O guarda da porta,
apercebendo se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase
inerte. — "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era
feita esta porta. Agora vou me embora e fecho-a".